Atrasado, mas chegou: Foxfire, de Laurent Cantet, é uma bela adaptação do romance homónimo de Joyce Carol Oates — este texto foi publicado no Diário de Notícias (7 Janeiro), com o título 'A saga de um gang feminino'.
Passaram-se mais de três anos desde a revelação de Foxfire, de Laurent Cantet, no Festival de Toronto de 2012. O atraso do seu lançamento em Portugal (com o subtítulo Raposas de Fogo) é apenas uma entre as muitas peripécias que ilustram o seu metódico apagamento nos circuitos internacionais. Porquê? Será porque Cantet, depois do triunfo em Cannes com A Turma (2008), escapava a qualquer cliché autoral, surgindo, assim, a dirigir uma produção franco-canadiana, em língua inglesa?
Laurent Cantet |
Simplificando, digamos que, com mais ou menos atraso, Foxfire é um espantoso filme, ancorado num classicismo dramático em que tudo passa pela irredutibilidade das personagens e do contexto em que se movimentam. Inspirando-se no romance homónimo de Joyce Carol Oates (publicado em 1993), Cantet faz o retrato íntimo de um gang de raparigas que, na década de 1950, algures na zona de Nova Iorque, protagoniza uma cruel odisseia: aquilo que começa como uma série de provocações em ambiente escolar, acaba por transfigurar-se num ensaio para um mundo utópico em que a “comunidade das mulheres” aposta na construção de uma sociedade liberta de todas as violências masculinas.
Muito longe de qualquer sugestão anedótica, Foxfire devolve-nos a intensidade épica de um tempo em que, vale a pena recordá-lo, o protótipo juvenil de Hollywood era James Dean. Dir-se-ia que Cantet expõe o avesso figurativo e moral dessa época, para mais dirigindo um elenco de jovens actrizes tão pouco conhecidas quanto admiravelmente talentosas.