O cineasta de O Lugar do Morto volta a contar uma história eminentemente portuguesa, agora em cenários de Viseu — este texto foi publicado no Diário de Notícias (24 Dezembro), com o título 'António-Pedro Vasconcelos filma os paradoxos da paixão'.
Vale a pena recordar que o cineasta que assina Amor Impossível é o mesmo cuja filmografia integra títulos como O Lugar do Morto (1984), Jaime (1999) ou Call Girl (2007). De facto, António-Pedro Vasconcelos tem-se assumido muitas vezes como retratista de um quotidiano português pleno de contrastes, por assim dizer oscilando entre o desencanto social e o apelo romântico, ou melhor, o gosto do romanesco.
Amor Impossível confirma a consistência de tal atitude. E não apenas porque o metódico trabalho de argumento de Tiago R. Santos se inspira em factos verídicos. Também porque estamos perante uma teia dramática em que uma questão central do cinema de António-Pedro Vasconcelos — como se constitui um par homem/mulher — adquire contornos muito particulares e, de alguma maneira, inesperados.
Num certo sentido, as personagens centrais não poderiam ser mais típicas, ou melhor, mais reconhecíveis. Cristina (Victoria Guerra) e Tiago (José Mata) são dois jovens unidos por uma paixão paradoxal. Há na sua relação uma energia visceral, de que o sexo será apenas o sinal mais evidente, que os transporta para um domínio puramente utópico — para Cristina, Emily Brontë é mesmo a referência inspiradora; ao mesmo tempo, porém, sabemos praticamente desde o começo que se trata de uma paixão funesta que, através de uma teia de flashbacks, vamos conhecer nos seus segredos mais perturbantes.
Para esta reconversão do romantismo em cruel assombramento, é essencial a entrada em cena de um outro par, Madalena (Soraia Chaves) e Marco (Ricardo Pereira), os polícias que investigam aquilo que se passou entre Cristina e Tiago. Dir-se-ia que cada par funciona como espelho ambíguo do outro, aliás expondo um tema que talvez possamos considerar transversal na obra do realizador. A saber: o contraste entre personagens femininas e masculinas, de alguma maneira revelando um equívoco fulcral em que a entrega mais radical parece atrair, perversamente, a mais insuperável distância afectiva. E não deixa de ser curioso que a ânsia romântica de Cristina tenha um momento fulcral na sua exaltação de O Monte dos Vendavais, em diálogo com um professor interpretado por... António-Pedro Vasconcelos.
Todas estas convulsões surgem integradas, não nos espaços mais tradicionais da cidade de Lisboa, mas sim em cenários de Viseu. Eis um “desvio” que importa assinalar, quanto mais não seja porque, para o melhor ou para o pior, muito cinema português tem-se mantido ligado à grande metrópole, aos seus lugares, enredos e personagens. Claro que o cinema não é um mero exercício “sociológico” e até mesmo um filme puramente abstracto pode manter relações viscerais com o nosso aqui e agora. Em todo o caso, a atenção da produção portuguesa ao tempo presente é um valor que importa sublinhar e reconhecer.