domingo, dezembro 13, 2015

A guerra da publicidade

A percepção televisiva do Natal, em particular através da publicidade, envolve o confronto bélico dos mais variados valores culturais — este texto foi publicado no Diário de Notícias (11 Dezembro), com o título 'Promoções de Natal'.

1. A cultura é uma guerra. Sempre foi, sempre continuará a ser. Guerra de valores, entenda-se, de formas de olhar e escutar, mostrar ou ocultar. Assim, a cultura televisiva dominante conseguiu mesmo impor a mais demagógica definição do factor cultural. Na prática, quando se colocam num estúdio três ou quatro personalidades a comparar as pautas de Mozart e Stockhausen, os peões da ideologia televisiva dominante gosta de proclamar que, aí sim, discute-se Cultura com um “C” grande... Importaria olhar para o avesso das coisas e lembrar que não há nada mais cultural do que as telenovelas ou o Big Brother: a formatação narrativa das primeiras e a desumanização do segundo são valores culturais, por excelência.

2. Na quadra natalícia, a cultura dominante tem um renovado agente na publicidade televisiva. De facto, podemos ser conduzidos à beira do suicídio, real ou simbólico, se não tivermos resistência psicológica para lidar com os noticiários que nos relembram, insistentemente, que o país está à beira da falência e o clima global a tender para o apocalipse... O que não impede que, poucos segundos depois (avisados por um pedagógico separador com a palavra “publicidade”), sejamos bombardeados com retratos paradisíacos da felicidade familiar, abençoada pela aquisição do mais recente dos telemóveis “desbloqueados” ou por um radioso automóvel de luxo que, por mero acaso, custa um pouco mais do que o rendimento anual de 99% dos portugueses...

3. De acordo com dados oficiais, em 1975, as eleições em Portugal tiveram 526.879 abstencionistas (8% do total de eleitores inscritos); quatro décadas depois, esse número passou para 4.273.748 (44% do total). Continuo à espera que os políticos das direitas e esquerdas abordem estes números (sintomáticos de uma cultura da indiferença), algures nas televisões — talvez depois de aproveitarem as promoções de Natal.