quinta-feira, novembro 12, 2015

Na morte de Paulo Cunha e Silva

PAULO CUNHA E SILVA
Tempos difíceis. A notícia da morte de Paulo Cunha e Silva, vitimado por um ataque cardíaco, aos 53 anos, deixa um vazio sem nome. Pela sua brutalidade, pelo silêncio que se abate quando só podemos reconhecer que estamos (já) perante a morte de alguém de quem recebíamos sempre impulsos de vida, mais vida.
Não saberemos encontrar as palavras justas para condensar a pluralidade do seu trabalho: "homem de cultura", "programador", "pedagogo"... É tudo adequado e tudo insuficiente, disfarçando mal a nossa tristeza pela perda dessa alegria de dizer, de desafiar as palavras pelas palavras, com que ele recobria os gestos aparentemente mais insignificantes.
Fixo-me, de qualquer modo, nessa arte que ele tinha — arte muito "brechtiana" de celebrar a arte de viver — para connosco partilhar o valor irredutível das palavras, mesmo as mais acidentais, mesmo as menos radicais ou elegantemente fúteis. O seu desejo de conhecer era também, afinal, um modo de convocar o olhar, a sensibilidade e o pensamento dos outros — convocar e intensificar.
Atrevo-me, por isso, a referir que com ele estive uma derradeira vez no passado dia 20 de Setembro, na Feira do Livro do Porto, numa sessão com o filme Morte em Veneza (1971), de Luchino Visconti. E penso que também ele, viscontiano, não se conformaria com a possibilidade de a morte ter direito à derradeira imagem — importa sobrepor-lhe sempre novas imagens ou, no mínimo, as razões da música de Gustav Mahler.