terça-feira, novembro 03, 2015

Halloween? Qual Halloween?...



A importação da cultura do Halloween é (mais) um triste fenómeno de marketing — este texto foi publicado no Diário de Notícias (1 Novembro), com o título 'A cultura visual do Halloween'.

Numa altura em que o facto de Pedro Passos Coelho ter decidido refazer o ministério da Cultura pouco mais tem suscitado do que algumas efémeras reacções irónicas, não encontro qualquer reflexão sobre a avalancha de “comemorações” do Halloween que tem enxameado as agendas... culturais.
Há outra maneira de dar conta deste vazio de pensamento. Assim, tudo o que envolva algum encontro com DJs de nomes mais ou menos anglófonos e um adequado serviço de bebidas alcoólicas (consumidas com salutar moderação, não tenho dúvidas sobre isso) é automaticamente reconhecido, divulgado e promovido como o supra-sumo da celebração “cultural” (por certo com o caloroso acompanhamento “social” das redes que definem alguns dos valores dominantes do nosso quotidiano).
No panorama simbólico das imagens, o fenómeno reflecte uma velha duplicidade de critérios em relação a referências culturais provenientes dos EUA. Ao longo das décadas, os exemplos são imensos, desde a demonização de quem, em pleno PREC, se atrevesse a escrever que Jaws/Tubarão (1975) ilustrava o talento de um grande cineasta chamado Steven Spielberg, até às suspeições morais reavivadas em torno de Clint Eastwood por causa do seu Sniper Americano (2014). Entretanto, ano após ano, as mais diversas formas de marketing vão tentando convencer-nos que a celebração do Halloween não é exactamente um momento emblemático da cultura made in USA, mas sim um valor visceralmente português iniciado, no tempo das cavernas, pelos primeiros DJs.
Como é óbvio, pensar tais questões não tem nada a ver com qualquer processo de julgamento das pessoas que achem por bem participar em eventos desse teor. Embora encontre expressão em determinados comportamentos individuais, o que está em causa é de uma dimensão totalmente diferente. A saber: o triunfo de um sistema de valores de consumo enraizado em formas grosseiras de marketing, para mais alimentando uma impostura (cultural, justamente) segundo a qual estaríamos a assistir à ilustração de uma tradição ancestral da nossa sociedade.
Em boa verdade, estamos apenas perante uma das muitas ilustrações do poder normativo do marketing, impondo rituais de consumo e, na prática, favorecendo o triunfo de uma cultura que existe apenas como derivação desses rituais. Feito em nome de factores tradicionais, este é um marketing que, perversamente, contribui para o metódico apagamento de qualquer relação criativa com a pluralidade da memória.
Algo de semelhante aconteceu, afinal, com os filmes que convocam o Halloween, perdidos numa acumulação de cópias mais ou menos fúteis, também ela favorecida pelo marketing das sequelas. Valerá a pena, por isso, regressarmos às origens, quer dizer, ao brilhante Halloween (1978), de John Carpenter, até porque a sua inesquecível ambiência musical (assinada pelo próprio realizador) não é produto de um DJ medíocre a piratear o trabalho dos outros [tema de abertura].