sexta-feira, novembro 20, 2015

De George Lucas aos estúdios Disney

Seja como for o novo título da saga Star Wars, com ele inicia-se um capítulo em que a marca Disney passa a ter um papel fundamental — este texto foi publicado no Diário de Notícias (15 Novembro), com o título 'Como é que a Disney vai gerir a saga de George Lucas?'.

Quando foi convidado para a dirigir o novo episódio da saga criada por George Lucas — Star Wars: O Despertar da Força, estreia 17 Dezembro —, J. J. Abrams hesitou. O convite da Lucasfilm, empresa agora integrada no império Disney, chegou-lhe através Kathleen Kennedy, velha aliada de Lucas e também de Steven Spielberg (nomeadamente na produção dos filmes de Indiana Jones). Na altura envolvido na pós-produção de Star Trek: Além da Escuridão (2013), Abrams não pôde deixar de sentir que lhe pediam para retomar uma herança totalmente ligada ao encantamento da sua própria infância — nascido em 1966, tinha 11 anos quando descobriu as aventuras inter-galácticas de Luke Skywalker (Mark Hamill), Han Solo (Harrison Ford) e Princesa Lea (Carrie Fisher). Em declarações à revista britânica Empire, deixou mesmo este desabafo: “Nunca é bom aproximar-nos demasiado daqueles que são, historicamente, os nossos ídolos. Era qualquer coisa de tão próximo e tão íntimo que a ideia do meu envolvimento, francamente, me pareceu algo perigosa.”
J. J. Abrams
O certo é que o acordo se estabeleceu, podendo Abrams prolongar, assim, uma carreira de sucessos nas áreas de realização (Missão Impossível 3, 2006), produção (a série televisiva Perdidos, 2004-10) ou escrita de argumentos (O Regresso de Henry ou Armageddon, respectivamente de 1991 e 1998). Mais do que isso: o lançamento de Star Wars: O Despertar da Força, primeiro de três novos episódios de uma das sagas mais rentáveis de toda a história do cinema, envolve dramáticos desafios financeiros e simbólicos para a máquina de Hollywood. E o envolvimento dos estúdios Disney não será o menor deles: conseguirá a casa do Rato Mickey manter a chama (entenda-se: a performance comercial) do universo herdado de Lucas?
É bem verdade que as campanhas que envolvem produtos deste género tentam fabricar a ideia de que tudo acontece num universo global unificado por fãs em delírio em todos os cantos do planeta... Mas bastará lembrar os valores de tais campanhas para compreendermos que Hollywood joga, aqui, alguns dos seus trunfos mais fortes (e também financeiramente mais arriscados). O orçamento de 223 milhões de dólares para a chegada de Star Wars: o Despertar da Força às salas de todo o mundo (incluindo acções de marketing e custo de cópias) é superior ao da própria produção do filme (que terá fica em cerca de 200 milhões).
George Lucas
Muita coisa mudou desde que, em 1977, Lucas, com o primeiro Star Wars (entre nós ainda lançado com a adequada tradução portuguesa: A Guerra das Estrelas), se transformou numa das personalidades mais poderosas do audiovisual americano. Ironicamente, o projecto começou por não ser acarinhado pelos grandes estúdios, a ponto de a Universal ter voltado atrás no compromisso de produzir American Graffiti e o primeiro Star WarsAmerican Graffiti foi concretizado (segunda longa-metragem de Lucas, logo após o premonitório THX 1138), o segundo viria a ser apoiado pela 20th Century Fox.
Na altura, Lucas e Spielberg impuseram-se como líderes criativos de um novo conceito industrial, os blockbusters (ainda hoje dominante nos mercados de todo o planeta). O seu funcionamento obedece a três regras fundamentais: um investimento promocional igual ou superior ao da própria produção; lançamentos massivos que visam, antes de tudo o mais, uma grande concentração de receitas nas primeiras duas ou três semanas de exibição; enfim, um apelo cada vez maior às faixas etárias infantis e juvenis (que passaram a ser a presença dominante nas salas escuras).
Em 2012, quando a Lucasfilm foi vendida à Disney, Lucas resumiu assim o fim de um capítulo da sua existência: “Ao longo de 41 anos, a maior parte do meu tempo e dinheiro foi para a companhia. Agora que inicio um novo capítulo na minha vida, é gratificante poder ter a possibilidade de dedicar mais tempo e recursos à filantropia.” Ele será, por certo, um dos convidados de honra na ante-estreia do novo Star Wars, agendada para 14 de Dezembro, em Los Angeles. Seja como for, estará em jogo a consolidação de uma nova geração de Hollywood e também, afinal, de uma nova vaga de espectadores.