sexta-feira, setembro 11, 2015

Nos bastidores da Casa Dior

Raf Simons / Dior e Eu
Para além das imagens de marca, a moda é um trabalho vivido em bastidores muito agitados: Dior e Eu é um filme sobre esses bastidores — este texto foi publicado no Diário de Notícias (8 Setembro). 

É bem verdade que os desfiles de moda sempre foram um material apetecível para fotografia, cinema e televisão. Em todo o caso, não é muito frequente depararmos com trabalhos documentais como Dior e Eu, revelando os bastidores de uma das mais prestigiadas casas da alta costura francesa.
O filme marca a estreia a solo na realização de Frédéric Tcheng, um francês sediado em Nova Iorque cujo nome já tinha surgido como co-autor de Diana Vreeland: The Eye Has to Travel (2011), sobre a lendária comentadora das revistas Vogue e Harper’s Bazaar. O ponto de partida de Dior e Eu é também uma evocação pessoal, neste caso de Christian Dior (1905-1957). Aliás, o filme apropria-se com alguma ironia do título da sua autobiografia, Christian Dior e Eu, publicada em 1956. O fundador da “Maison Dior” definia-se, assim, como uma personagem dividida entre a identidade privada e a figura que encarnava enquanto criador de moda. Como o próprio Tcheng sugere num texto de apresentação do filme, tratava-se agora de registar o confronto do novo director criativo da Dior, o belga Raf Simons, com a herança do próprio Christian Dior.
Raf Simons, ou apenas “Raf”, como é tratado pelos que com ele trabalham, assumiu funções na Dior em 2012 (depois de sete anos ligado à marca Jil Sander). Ao propor-lhe a realização de um documentário sobre a preparação da sua primeira colecção, Tcheng confrontou-se com uma paradoxal resistência à exposição pública que não pôde deixar de associar às memórias do próprio Christian Dior: “Tudo o que estava a acontecer perante a minha câmara coincidia, quase até nos mais remotos detalhes de comportamento ou emoção, com o que Christian Dior tinha descrito em longos capítulos sobre a fabricação de uma colecção. (...) É, por certo, um testemunho do poder das tradições. A história repete-se”.
Daí que Tcheng vá pontuando a sua reportagem com imagens (a preto e branco) do próprio Christian Dior, acompanhadas pela leitura de extractos do seu livro. É também uma maneira de sublinhar o “assombramento” simbólico das instalações da Dior no nº 30 da Avenue Montaigne, em Paris — em boa verdade, desde as costureiras aos administradores, todos referem essa continuada presença do “espírito” Dior no dia a dia daquelas instalações.
Com as virtudes e limitações de um documentário mais típico do espaço televisivo do que do mercado cinematográfico, Dior e Eu desemboca no desfile da primeira colecção de Raf Simons para a Dior, realizado no dia 2 de Julho de 2012 num edifício da Avenue d’Iéna, próximo do Arco do Triunfo. Colhendo inspiração numa escultura de flores (“Puppy”) criada por Jeff Koons nos anos 90, as paredes do edifício foram cobertas de flores para receber uma galeria de celebridades que incluía Sharon Stone, Marion Cotillard e a editora da Vogue americana, Anna Wintour. No final, contemplando, ansiosamente, o desfile resultante de vários meses de árduo trabalho, Raf Simons chora perante a beleza da sua própria criação.