domingo, setembro 20, 2015

Com chancela da HBO

A série Show Me a Hero, com chancela da HBO, é um dos grandes acontecimentos televisivos do momento — este texto foi publicado no Diário de Notícias (18 Setembro), com o título '"Mostrem-me um herói"'.

Um dos mais persistentes mistérios de muitos modos de fazer televisão é a indiferença pelos recursos específicos do próprio meio — como se só se utilizasse a primeira mudança da caixa de velocidades, tentando evitar o esforço de pensar como e quando se pode meter a segunda para, num mundo utópico, arriscar utilizar a quarta ou a quinta.
F. Scott Fitzgerald
Exemplo? A notável série Show Me a Hero, símbolo da oferta do renovado TVCine & Séries (agora privilegiando o catálogo da HBO). Para além de este ser mais um caso de não tradução do título (salvo melhor opinião, ainda é possível dizer em português: “Mostrem-me um herói”), que mal viria ao mundo se, de alguma maneira, se esclarecesse a origem da expressão numa célebre máxima de F. Scott Fitzgerald (1896-1940)? A saber: “Mostrem-me um herói e eu escrevo-vos uma tragédia”.
Na prática, as esforçadas promoções que enquadram muitos programas (em todos os canais, entenda-se) raras vezes investem na valorização das componentes dos respectivos “produtos” (é assim que os profissionais do marketing passaram a exprimir-se: não há filmes nem séries, mas “produtos”).
No caso específico de Show Me a Hero, a cuja criação está ligado o nome do autor de The Wire, David Simon (outra referência não devidamente rentabilizada), seria mesmo interessante sublinhar como o espantoso retrato interior das lutas políticas e urbanísticas em Yonkers, Nova York, nos anos 1980/90, nos remete para os modelos de um certo cinema liberal que teve a sua expressão mais exemplar no trabalho de um cineasta como Sidney Lumet (1924-2011). Seria também curioso mostrar como a realização de Paul Haggis (“oscarizado” em 2006 pelo seu Crash/Colisão) retoma modelos de narrativa e montagem experimentados por Lumet em filmes admiráveis como Um Dia de Cão (1975), O Príncipe da Cidade (1981) ou O Veredicto (1982). Tudo isto, insisto, aconteceria de acordo com um modo de fazer televisão em que houvesse gosto por superar os dados imediatos, mais ou menos impressionistas, associados a cada “produto”.