domingo, setembro 06, 2015

A MTV de Taylor Swift

O triunfo de Taylor Swift nos prémios MTV tem um valor inevitavelmente sintomático sobre a evolução da "televisão da música" — este texto foi publicado no Diário de Notícias (4 Setembro).

O triunfo do teledisco Bad Blood, de Taylor Swift, nos prémios da MTV (vídeo do ano) é significativo daquilo que mudou no canal que, em 1981, nasceu para ser a “televisão da música” (hoje em dia parasitado pela banalidade dos formatos da reality TV). Muitos telediscos da actualidade deixaram de ser concebidos como narrativas em torno, ou através, das canções, para passarem a existir como acumulação de momentos breves, de agressivo e mais ou menos gratuito impacto visual, obedecendo a matrizes de linguagem que vêm da publicidade mais rotineira.

>>> Bad Blood, Taylor Swift.


Escusado será dizer que Bad Blood, dirigido por Joseph Kahn, é um objecto de evidente competência de execução, sustentado por uma sofisticação tecnológica que o coloca a par de muitas produções saídas dos grandes estúdios de cinema (as explosões finais poderiam muito bem pertencer a qualquer das mais recentes aventuras de Vingadores e Homens-Aranhas). Acontece que tudo isso existe menos para servir a canção e mais como colecção de proezas efémeras, vistosas e superficiais, à maneira de muitos spots publicitários.
Os contra-exemplos não faltam. Se recuarmos um pouco mais de um quarto de século e citarmos um caso emblemático como Express Yourself (1989), de Madonna, as diferenças são reveladoras. Num caso como noutro, trata-se de criar uma apoteose de consagração da respectiva intérprete. Acontece que Express Yourself, realizado por David Fincher (cuja primeira longa-metragem, Alien 3, só surgiria três anos mais tarde), trabalha uma complexa teia temática que, para além de um cuidado argumento, sabe recriar temas, figuras e simbolismos que vêm do clássico Metropolis (1927), de Fritz Lang.
A referência à visão de Lang é também reveladora daquilo que mudou. Assim, a aliança Madonna/Fincher move-se no interior de um imaginário em que as memórias cinéfilas constituem uma fundamental matéria de referência. Na MTV actual, a cinefilia não existe, já que a memória, na melhor das hipóteses, se reduz à dimensão pueril do pitoresco.

>>> Express Yourself, Madonna.