O filme A Ovelha Choné, de Mark Burton e Richard Starzak, exemplifica as singularidades criativas dos estúdios Aardman — este texto foi publicado no Diário de Notícias (1 Setembro), com o título 'Elogio dos balidos'.
A Ovelha Choné está para as produções dos estúdios Aardman um pouco como os Mínimos para as aventuras de Gru, o Maldisposto: são personagens secundárias que, depois de se destacarem em determinadas histórias, ascenderam à condição de principais. Claro que estamos perante universos muito diferentes, desde logo na sua sustentação técnica: os filmes com os Mínimos reflectem a crescente sofisticação da animação digital, enquanto os produtos com chancela da Aardman (incluindo, claro, os filmes de Wallace & Gromit, em que se destacou a personagem da ovelha) preservam os métodos primitivos da animação imagem a imagem (stop motion), para mais utilizando bonequinhos de plasticina.
Ainda assim, não deixa de ser curioso que em ambos os casos deparemos com formas de comunicação que, por assim dizer, dispensam a fala humana: com os Mínimos, através de uma língua própria, delirante e divertidíssima (veja-se e ouça-se a “canção da banana”), aqui e ali pontuada por palavras que reconhecemos ou julgamos reconhecer; nas aventuras da Ovelha Choné, dominam os balidos mais ou menos monossilábicos (?), o que não impede que nos sintamos no interior de um universo de fascinante diversidade de informações e significações, infinitamente mais rico que a lengalenga que, com poucas excepções, acompanha os directos dos jogos de futebol.
São fenómenos que se demarcam, afinal, das linguagens repetitivas que, hoje em dia, encontramos em muitas zonas do espaço audiovisual. E é pena que a sua existência não suscite mais reflexões sobre os modelos narrativos que, todos os dias, visam os públicos infantil e juvenil — vivemos numa sociedade iludida na hiper-protecção dos mais jovens, em que nem sempre se dá a devida atenção ao salutar minimalismo de ovelhas e afins.