sábado, agosto 01, 2015

"True Detective": labirinto de poderes

No actual panorama televisivo, True Detective é uma das séries que, como se costuma dizer, faz a diferença — este texto foi publicado no Diário de Notícias (31 Julho), com o título 'A lei e a desordem'.

Escrevo este texto depois de exibidos cinco dos oito episódios da segunda temporada de True Detective (TV Séries). A série criada por Nic Pizzolatto não se instalou num mero jogo de repetição, mesmo se persiste o mesmo desencanto moral — trata-se, afinal, de colocar em cena os agentes da lei e da ordem no interior de um mundo que, no limite, os integra de forma tanto mais cínica quanto se rege por outras leis, inconfessáveis (leia-se: financeiras), e muitas formas de desordem.
Nic Pizzolatto
A primeira temporada seguia os inquietantes ziguezagues de dois polícias do estado da Louisiana, interpretados por Woody Harrelson e Matthew McConaughey. Agora, há três personagens dominantes, com funções diversas em diferentes forças policiais da Califórnia, a cargo de Colin Farrell, Rachel McAdams e Taylor Kitsch. Em boa verdade, pode dizer-se que a série se constrói a partir de um quinteto, completado pelo casal interpretado por Vince Vaughn e Kelly Reilly, sendo ele um empreendedor que tenta desenvolver um negócio legítimo, apagando o seu passado criminoso...
Escusado será dizer que o esquematismo desta sinopse nada nos diz sobre o essencial. O que mais conta é o facto de todas as personagens se descobrirem inscritas numa rede de relações em que qualquer forma de poder (a começar pelo poder de investigação policial) acaba por depender sempre de um poder mais forte e, sobretudo, mais oculto.
Se True Detective volta a ser um caso invulgar no actual panorama televisivo não é por causa da acumulação de “peripécias” mais ou menos insólitas e inesperadas — aliás, é sempre fascinante encontrar uma narrativa que sabe administrar os seus tempos, seja na pura acção física, seja na instalação de longas digressões contemplativas. Tudo remete, afinal, para o mais cruel cepticismo: este é o retrato de um mundo em que a instrumentalização dos seres humanos gerou as mais cruéis formas de solidão e desamparo. Há, aqui, um realismo tão cru que acaba por se confundir com o mais inquietante fantástico.