Em 1975, numa reunião no Hotel Hilton, em Paris, o realizador francês Jacques Tati encontrava-se com dois músicos norte-americanos que, nos últimos anos, tinham dado sinais de personalidade (e grande sentido) de humor ao vestir os encantamentos do glam rock não em busca de um lugar no comboio lançado por Bowie e Bolan, mas assimilando antes ecos de tradições do cinema norte-americano, nomeadamente Charlie Chaplin. Desafiava então os Sparks para tomarem um lugar de protagonismo em Confusion, um novo projeto a filmar para televisão no qual encenaria a morte de Mr. Hulot durante um direto e, na lógica do show must go on, a emissão não seria interrompida. E a 15 de março desse ano era emitido um comunicado de imprensa, revelando o novo projeto, confirmando que a rodagem teria início ainda esse ano e que os papéis principais caberiam a Tati e a Ron e Russel Mael. O projeto de financiamento acabou por ser mais longo do que o esperado e, quando em 1982 as condições estavam finalmente reunidas para filmar, a morte do realizador, aos 75 anos, deixou o projeto por concluir, sobrevivendo o argumento, a canção-tema (que surgiu no álbum Big Beat, de 1976 – ouvir em baixo) e as memórias dos que lhe chegaram a dedicar tempo e atenção. Algumas dessas figuras são ouvidas em “La Confusion des Genres”, um dos artigos que podemos encontrar na edição especial de verão da revista francesa Sofilm, integralmente dedicada à relação da música com o cinema.
Nas suas 116 páginas, esta edição dedica artigos a Henry Mancini, ao filme Spice World com as Spice Girls (o tiro ao lado desta edição) a Straight To Hell (filme de 1986 de Alex Cox com Joe Strummer, Courtney Love, Grace Jones e Elvis Costello), a Human Highway (que Neil Young co-realizou sob o pseudónimo Bernard Sharkey), a Renald and Clara (realizado em 1978 por Bob Dylan) ao histórico Space is The Place (com Sun Ra), um pequeno feature sobre bandas sonoras rejeitadas e uma inevitável referência aos documentários sobre Amy Winehouse e Nina Simone recentemente estreados, entre outros mais temas.
A revista inclui uma entrevista com Jim Jarmusch, um texto sobre um álbum punk de Ben Stiller e apresenta um portfólio dedicado a Elvis Presley e ainda uma série cronologias e listas Top 10… E vale a pena passar por algumas dessas listas, goste-se ou não das escolhas feitas (como manda a regra de quem gosta de ver listas).
Há uma dedicada às piores cenas de dança e outra aos piores biopics musicais, por onde passam filmes dedicados a Lully, Frankie Valli ou Beethoven… Havia piores, convenhamos. Há um outro sobre “cameos” de músicos em filmes.
Fica claro, por indicação na capa, que estas histórias de cinema e música são focadas em terreno rock’n’roll. Não era má ideia que, numa outra ocasião, outras músicas e outros filmes com música venham a merecer uma tão variada seleção de artigos par ir lendo nestes dias mais quentes e longos de verão.