domingo, agosto 09, 2015

O futebol na agenda mediática

O tratamento futebolístico do futebol passou a ser dominado por uma lógica (?) que, em última instância, nos quer impedir de desfrutar o imponderável do jogo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (7 Agosto), com o título 'Lembrando Dinis Machado'.

1. Em que é que a pré-temporada do futebol se distinguiu da temporada anterior? Em nada. Ou melhor, na repetição do mesmo em doses cada vez maiores — a ocupação de longas horas com o futebol tornou-se um princípio compulsivo de programação.

2. O futebol passou a constar de uma agenda mediática que se fundamenta num princípio de redundância. Pode não haver nada para dizer, nem sequer uma qualquer informação para avançar. O certo é que o futebol é convocado como uma matriz “obrigatória” da percepção do nosso dia a dia.

3. As televisões assumiram mesmo que as actividades de três equipas (Benfica, Porto e Sporting) são assunto permanente de todos os serviços noticiosos. Passa-se, por isso, com surreal ligeireza, da reportagem sobre um discurso de um qualquer líder político para os treinos daquelas equipas (com as mesmas imagens, centenas vezes repetidas), lembrando na notícia seguinte que o Estado Islâmico quer destruir os valores ocidentais...

4. O mais impressionante desta cultura futebolística (que se sobrepõe a todas as outras formas de cultura na representação e entendimento do mundo) é que funciona como se se tratasse de sobrecarregar de significações mais ou menos transcendentes os factos mais comezinhos do jogo jogado. Há mesmo narradores (?) dos directos que divagam sobre tudo e mais alguma coisa, pura e simplesmente alheando-se do que estamos a ver.

5. Permitam-me uma citação: “O futebol tem uma grande vocação dos movimentos imprevisíveis, dos lances incomuns e da escolha do acaso que o retiram, inexoravelmente, do universo da lógica”. São palavra de 1996, de um grande escritor português, Dinis Machado, numa das crónicas coligidas recentemente em A Liberdade do Drible (Quetzal). Mal ele sabia que, duas décadas mais tarde, os profissionais da lógica estariam apostados em sonegar-nos o prazer do jogo.