Apesar de chegar às salas portuguesas quase dois anos passados sobre o seu lançamento em França, O Jovem Prodígio T. S. Spivet é um dos grandes acontecimentos do Verão cinematográfico — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 Agosto), com o título 'Jean-Pierre Jeunet celebra os prodígios da imaginação infantil'.
É bem verdade que, para o melhor ou para o pior, o Verão cinematográfico continua a ser dominado pelo lançamento das grandes máquinas de Hollywood. Ao mesmo tempo, o panorama das novidades surge sempre marcado por contrastes mais ou menos desconcertantes. Assim acontece, agora, com O Jovem Prodígio T. S. Spivet [estreia: 27 Agosto], dirigido por Jean-Pierre Jeunet a partir do “best-seller” de Reif Larsen, entre nós publicado com o título As Obras-Primas de T. S. Spivet (ed. Presença).
Uma aventura épica de uma criança de 10 anos, uma produção sofisticada aplicando os mais modernos recursos digitais, enfim, um objecto pensado para a dimensão espectacular dos ecrãs das grandes salas — dir-se-ia, precisamente, uma produção de um estúdio americano visando o período de férias. Mas não: para além de ser assinado por um cineasta francês, O Jovem Prodígio T. S. Spivet resulta de uma aliança de entidades da França, Canadá e Austrália.

Nada disso aconteceu. O filme foi sendo estreado em diversos países, na Europa e na Ásia, mas o distribuidor americano, a Weinstein Company, dos irmãos Harvey e Bob Weinstein, quis alterar a montagem. Jeunet não abdicou das suas opções, tanto mais que, por contrato, garantira o controle da montagem final (final cut). Na prática, abriu-se um conflito cujo desenlace ocorreu há poucas semanas, a 31 de Julho, quando O Jovem Prodígio T. S. Spivet surgiu, finalmente, nas salas dos EUA (Portugal é, assim, um dos derradeiros países a poder descobri-lo).
Em entrevistas recentes, Jeunet reafirmou que nunca abdicaria da sua montagem, ao mesmo tempo não poupando os Weinsteins — segundo ele, o filme só foi mesmo lançado nos EUA para cumprir a cláusula contratual que obriga a uma passagem por um determinado número de salas para depois ser integrado nas listas de programação da Netflix.
Conflitos à parte, seria uma pena que o trabalho de Jeunet fosse reduzido às peripécias dos bastidores industriais. De facto, estamos perante um dos poucos projectos recentes que procura recuperar uma certa dimensão encantada e encantatória do cinema, sem passar pelas sagas “obrigatórias” de super-heróis ou personagens mais ou menos excêntricas de galáxias distantes.
T. S. Spivet (Kyle Catlett, brilhante) é o nome do mais heterodoxo dos aventureiros. Porque é uma criança, mas sobretudo porque o seu génio científico o leva a “entrar” no mundo dos adultos de forma bizarra. Os trabalhos científicos que envia para diversas instituições e competições (sem esclarecer a sua idade) acabam por lhe valer uma chamada do Instituto Smithsonian: a sua prodigiosa invenção, uma “máquina de movimento perpétuo”, foi distinguida com um prémio altamente prestigiado, sendo convocado para discursar na respectiva cerimónia de entrega... Daí a sua odisseia: como viajar das paisagens rurais do estado de Montana, onde vive com os pais, até Washington?

Para além das peculiaridades de cada um dos seus filmes, Jeunet sempre foi um apaixonado por estas histórias que envolvem os limites, físicos ou espirituais, da experiência humana. Bastará lembrar os títulos que dirigiu em associação com Marc Caro — Delicatessen (1991) e A Cidade das Crianças Perdidas (1995) —, sem esquecer, já a solo, essa enorme sucesso internacional que foi O Fabuloso Destino de Amélie (2001). Para ele, o cinema está colado às emoções vividas por cada um, mas é sempre maior que a vida.