SUSAN SONTAG |
Olhando o Sofrimento dos Outros, de Susan Sontag, é um livro fascinante sobre as imagens e os seus contextos — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 Julho), com o título 'Ser espectador segundo Susan Sontag'.
Susan Sontag (1933-2004) impôs-se na dinâmica do pensamento moderno através de um ensaio de 1966 intitulado Contra a Interpretação (existe uma tradução portuguesa, de 2004, com chancela da editora Gótica). O título envolve todo um programa cultural, mediático e político: há uma dimensão da linguagem que excede a “intelectualização” dos significados, abrindo para uma experiência que, na sua sensualidade, não pode ser formatada de uma vez por todas. Dito de outro modo: dizer o que as coisas significam é também respeitar o que nelas permanece como indizível.
Muita coisa mudou de 1966 para cá, mas a inteligência argumentativa de Sontag continua a ser um instrumento precioso que nos ajuda a pensar, a não ter medo de sentir. O derradeiro livro que publicou, Olhando o Sofrimento dos Outros (agora editado pela Quetzal, numa rigorosa tradução de José Lima), constitui um momento fascinante do seu trabalho, em especial pelo modo como discute a vida das imagens no mundo contemporâneo.
Sontag recua aos tempos primitivos das imagens fotográficas e, muito em particular, ao modo como a fotografia representou as guerras ocorridas há um século ou mais (incluindo, claro, o primeiro conflito mundial, essa “guerra para acabar com todas as guerras”). Daí a incontornável ambivalência: é verdade que a história das imagens (fotográficas, antes do mais) envolve um importante valor de testemunho; ao mesmo tempo, é preciso não alimentar demasiadas ilusões sobre as respectivas potencialidades pedagógicas. Evocando o livro Os Três Guinéus (1938), de Virginia Woolf, empenhado, justamente, em reflectir sobre uma conjuntura pejada de augúrios de guerra, Sontag formula um desencantado reconhecimento: “Durante muito tempo, houve pessoas que pensavam que se fosse possível dar uma imagem suficientemente vívida do horror, a maior parte das pessoas acabaria por tomar consciência da barbaridade, da insanidade da guerra”.
VIRGINIA WOOLF |
Daí o continuado desafio de ser espectador, trabalhando a memória na sua dimensão eminentemente individual, resistindo à utilização das imagens reduzidas a ícones, funcionando como sound bites (por exemplo, um cartaz com o cogumelo de uma bomba atómica) e desencadeando “pensamentos e sentimentos previsíveis”. Diz ela: “Felizmente, não há nenhuma imagem ícone dos campos de morte nazis”.