domingo, julho 12, 2015

No taxi de Jafar Panahi (2/2)

Admirável acontecimento de cinema: Taxi, de Jafar Panahi, é uma afirmação de liberdade, a par de uma discussão metódica das fronteiras do discurso cinematográfico — este texto foi publicado no Diário de Notícias (8 Julho), com o título 'Serenidade e angústia'.

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De que falamos quando falamos de cinema? Na sua banalidade, a pergunta passou a envolver todos os valores (ou a falta deles) que regem a conjuntura mediática em que nos movemos. Isto porque, não poucas vezes, as regras dominantes tendem a reduzir os filmes às suas receitas (quantos milhões para os Vingadores?), aos efeitos especiais (como são os dinossauros digitais de Mundo Jurássico?) ou aos prometidos escândalos (o que é que se “vê” em As Cinquenta Sombras de Grey?).
Convenhamos que ser espectador de Jafar Panahi exige um pouco mais de disponibilidade. Não é um problema de inteligência do espectador. Nem sequer se pode reduzir o que está em jogo a uma questão de informação (embora não seja indiferente ter alguma consciência do processo de marginalização e silenciamento de que Panahi tem sido objecto). É, sobretudo, como sempre, uma questão de cinema — no seu estado mais puro e empolgante.
O taxi conduzido pelo próprio Panahi não é apenas um microcosmos através do qual, com profundo amor pelo seu país, o cineasta observa os sintomas de um quotidiano efervescente (as desigualdades homem/mulher, o mercado negro, as normas do ensino, etc., etc.). Redescobrimos também o cinema como a mais transparente linguagem de conhecimento das tensões do espaço e de avaliação das medidas do tempo. Num misto de serenidade e angústia, partilhamos com Panahi uma viagem que é, de uma só vez, poética e política. E não se julgue que a dimensão poética corresponde a uma mera ilustração “artística” daquilo que seria a “mensagem” política. A poesia resulta, aqui, da conquista de uma narrativa a partir do espaço exíguo de um taxi — neste contexto, não há nada de mais visceralmente político. Será preciso acrescentar que este é um dos acontecimentos maiores do cinema em 2015?