quarta-feira, julho 15, 2015

Memória de Omar Sharif (2/2)

Peter O'Toole e Omar Sharif
LAWRENCE DA ARÁBIA (1962)
Com a morte de Omar Sharif, desaparece um dos símbolos mais puros das superproduções da década de 60 — este texto foi publicado no Diário de Notícias (11 Julho), com o título 'Memórias do amigo Fred'.

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Conta-se que Peter O’Toole gostava de dizer que o nome do seu grande amigo Omar Sharif era ridículo, por isso preferindo chamar-lhe... “Fred”. Provavelmente, se esta fosse uma história dos nossos dias (O’Toole também já nos deixou, há cerca de ano e meio), haveria algum vigilante dos bons costumes mediáticos que viria manifestar a sua indignação pelo desrespeito pelas raízes culturais do nome de Sharif... Seja como for, em vez de especularmos sobre o que, felizmente, não aconteceu, talvez valha a pena ficarmos pela sedução dos filmes e, sobretudo, pelos poderes específicos do cinema. Quero eu dizer que Omar Sharif pertence a essa galeria escassa de figuras do cinema cuja magnitude simbólica se consolidou para além do nome, quer dizer, através da vocação épica das suas personagens mais emblemáticas, a começar, obviamente, pelo inesquecível Jivago.
Que a sua filmografia está cheia de coisas banais e dispensáveis, eis uma evidência que ele próprio reconhecia e sobre a qual não valerá a pena insistir. Acontece que as memórias que Omar Sharif nos lega estão realmente tocadas por esse misto de evidência e magia que, em momentos de eleição, nos leva a reconhecer o cinema como um acontecimento de inusitada transcendência ou, como diz a consagrada expressão, “maior que a vida”.
E podemos até perguntar quantos actores contemporâneos podem ostentar o mesmo tipo de grandiosidade. Algum intérprete de algum super-herói? Não creio: a possível grandeza perdeu-se no meio da confusão dos efeitos especiais... Omar Sharif pertence a uma condição cinematográfica que, mesmo através dos mais assumidos artifícios, não menospreza a dimensão humana do actor. Parece básico? Sem dúvida, mas corremos o risco de a perder através da celebração beata da tecnologia.