domingo, junho 21, 2015

Os arquivos clássicos de Keith Jarrett


O assinalar dos 75 anos de Keith Jarrett foi marcado pela ECM Records com dois lançamentos em simultâneo. Num deles ele mesmo escolheu e sequenciou uma série de improvisações. No outro, recorrendo a material de arquivo, dá-nos mais um registo de uma relação sua com os espaços da música clássica, num disco que junta gravações, feitas nos anos 80, de concertos para piano de Béla Bartók e Samuel Barber, acrescentando ainda, a encerrar o alinhamento, o registo de uma breve improvisação.

Foi na época de que datam estas gravações que Jarrett trabalhou por mais vezes peças de música clássica, datando dos oitentas a histórica colaboração com Gidon Kremer para dar forma a Fratres, de Arvo Pärt. Da sua discografia clássica na ECM destacam-se registos de interpretações de obras de Bach e Shostakovich. Neste novo disco estamos contudo em territórios da música orquestral, representando os registos as gravações existentes (captadas ao vivo) de peças que o pianista se preparava para gravar em estúdio, agenda que um acidente de ski o impediria de concretizar.

Bartók é um nome que habita as memórias mais remotas das vivências musicais de Keith Jarrett, recordando-lhe o professor que então lhe disse que ele era suficientemente talentoso para avançar seriamente pelos espaços da música clássica, mas que tinha de escolher um instrumento apenas para o fazer. Sobre o piano foi o mesmo professor que lhe chamou a atenção para o uso excessivo dos pedais… Na altura, como confessa num texto que inclui no booklet, não gostou de ouvir as palavras do professor. E a ideia de se concentrar num instrumento pareceu-lhe mesmo “estúpida”. E depois observa: “É claro que ele sabia mesmo o que estava a dizer”… Mesmo assim, na altura, escolheu logo o piano.

Anos mais tarde, já em plena década de 80, reencontrou Bartók quando preparou um trio de concertos para apresentar em concerto (havia também um de Baber, que conhecia bem desde os anos 60, e o de Stravinsky para piano e sopros). O disco que agora emerge resulta da reunião de duas gravações desta etapa. O Concerto para Piano op. 38 de Samuel Barber surge numa interpretação pela Runfunk-Sinfonieorchester Saarbrücken, sob direção de Dennis Russel Davies. O Concerto Para Piano Nº 3 Sz.119 de Béla Bartók (que é a mais brilhante das peças deste disco) surge numa gravação feita em Tóquio com a New Japan Philharmonic Orchestra, dirigida por Kazuyoshi Akiyama. Ao escutar as gravações fica claro que o mundo perdeu o que poderia ter sido um grande pianista concertista… Mas é como diz a lei de Lavoisier: tudo se transforma. E no fim até ficámos a ganhar.

Este texto foi originalmente publicado na Máquina de Escrever