sexta-feira, junho 05, 2015

Marilyn por George Barris

As imagens de Marilyn Monroe não se aquietam: há dias, em Londres, oito das suas fotografias finais foram a leilão — este texto foi publicado no Diário de Notícias (3 Junho), com o título 'A despedida fotográfica de Marilyn vai a leilão'.

Ciclicamente, as imagens de Marilyn Monroe reaparecem nos grandes circuitos internacionais das actividades leiloeiras. Assim voltará a acontecer amanhã, 4 de Junho, em Londres: a Bloomsbury Auctions vai colocar à venda oito fotografias da mais lendária musa de Hollywood, assinadas por George Barris, esperando-se que cada uma delas seja negociada por cerca de mil libras (um pouco mais de 1300 euros).
Através de descobertas genuínas ou especulações mais ou menos gratuitas, a história fotográfica de Marilyn Monroe parece uma interminável antologia de revelações (e, neste contexto, a palavra “revelação” adquire uma duplicidade inevitavelmente irónica). Não que, mais de meio século passado sobre o seu trágico desaparecimento, pareça haver ainda muitas imagens inéditas daquela que persiste como símbolo universal da condição de estrela e, nessa medida, do próprio glamour cinematográfico. Mas é um facto que, com pendular regularidade, algum acontecimento nos faz reencontrar Marilyn como protagonista de uma espécie de fábula assombrada que justifica sempre um novo olhar.
Neste caso, há uma razão de peso para a revisitação das imagens obtidas por Barris. Não são inéditas, mas correspondem a um momento carregado de simbolismo: terão sido, afinal, as derradeiras fotografias para que Marilyn posou.
A história mítica da fotografia leva-nos muitas vezes a considerar que a epopeia visual de Marilyn se encerra com o célebre portfolio obtido por Bert Stern em finais de Junho de 1962, cerca de seis semanas antes da sua morte (a 5 de Agosto, contava 36 anos). As suas imagens mais lendárias — com Marilyn despida em cima de uma cama, ou de frente para a câmara, a dissimular a nudez com uma écharpe translúcida — adquiriram o peso de uma despedida amarga e doce, um verdadeiro testamento iconográfico. Deparando com uma mulher marcada por profundas fragilidades emocionais, Stern (falecido em 2013) confessava a perturbação inerente à intimidade das três sessões em que fotografou Marilyn, de tal modo que só em 1982 se decidiu a publicar um livro integrando um número significativo das mais de 2500 imagens que registou. Sintomaticamente, chamou-lhe The Last Sitting (“A Última Sessão”).
Pois bem, as imagens de Stern não correspondem à última sessão fotográfica de Marilyn. As oito fotografias de Barris foram obtidas a 13 de Julho de 1962 (vinte e três dias antes da sua morte, por ingestão de barbitúricos). Nelas figura uma Marilyn obviamente à vontade perante o olhar de quem a observa. Algumas das imagens evocam mesmo outras, obtidas alguns anos antes, também numa praia, pelo seu grande amigo e confessor Sam Shaw (1912-1999). Afinal de contas, actriz e fotógrafo estavam ligados por uma relação de amizade que vinha desde a rodagem de O Pecado Mora ao Lado (1954), de Billy Wilder — Barris foi um dos que obteve algumas das célebres imagens de Marilyn com o vestido levantado pelo ar que saía das grelhas do metropolitano de Nova Iorque.
As imagens correspondiam a algo mais do que um encontro de velhos amigos, apostados em superar as regras estritas das fotografias de estúdio (na época ainda muito importantes na promoção dos filmes produzidos pelas “majors” de Hollywood). Barris estava a colaborar na preparação de um livro de características autobiográficas que se deveria intitular Marilyn: Her Life in Her Own Words (“A sua vida através das suas palavras”). O projecto correspondia mesmo a uma tentativa de contrariar a imagem negativa que a actriz começava a ter em alguns meios da indústria cinematográfica.
Marilyn tinha estado recentemente envolvida na rodagem de Something Got to Give, uma comédia romântica com Dean Martin e Cyd Charisse, em que voltava a ser dirigida por George Cukor (dois anos depois de Vamo-nos Amar, com Yves Montand). Nesse período, o estúdio produtor, 20th Century Fox, tinha-a autorizado a deslocar-se a Nova Iorque, onde a 19 de Maio, no Madison Square Garden, participou na celebração do 45º aniversário do Presidente John F. Kennedy (com a lendária versão de “Happy Birthday, Mr. President”). O certo é que Marilyn foi dando mostras de um comportamento cada vez mais errático, ou por doença (uma violenta sinusite), ou por incumprimento de horários. Rodou a sua derradeira cena a 1 de Junho, acabando por ser despedida no dia 8, quer dizer, antes destas oito fotografias com Barris (e até da sessão com Stern).
Estamos perante um capítulo imperfeito, incompleto e fascinante de uma história que se refaz através da paradoxal alegria destes instantâneos. Barris, actualmente com 92 anos, recorda que, na derradeira fotografia, Marilyn embrulhou-se num toalhão, olhou para a câmara e disse: “Esta é para ti, George”. Depois, lançou-lhe um beijo com a mão.