quinta-feira, junho 04, 2015

Jorge Jesus — "O Sr. 6 milhões"

A. A capa de hoje do jornal Correio da Manhã é sintomática do triunfo de todo um imaginário social que, obviamente, excede (e muito!) aquele jornal e os seus profissionais. Assim, tudo o que tem a ver com os dinheiros do futebol não passa de uma curiosidade mais ou menos bizarra e, no limite, divertida: por um lado, a consagração de Jorge Jesus como "O Sr. 6 milhões" é um fenómeno que, do dia para a noite, literalmente, entrou na esfera mediática; por outro lado, os automóveis dos jogadores da selecção são motivo para uma festiva "parada de bombas"...

B. Como sempre (quase sempre, enfim...), não há qualquer hesitação jornalística, qualquer dúvida moral no modo de tratamento dos dinheiros do futebol. Dito de outro modo: enquanto os milhões dos profissionais de futebol são um mero dado de celebração mediática, qualquer cidadão — sublinho: qualquer cidadão — da área administrativa ou política corre o risco de ser achincalhado publicamente por auferir um ordenado de alguns milhares de euros. Em alguns casos, as insinuações morais "motivadas" pelo dinheiro passaram a ser um hábito (veja-se, neste caso, no topo esquerdo da página, mais uma "notícia" sobre José Sócrates — reforçada pela publicação, como "prova", de fotografias da sua casa em Paris).

C. O assunto é, obviamente, delicado e complexo. Num plano muito básico, importa não demonizar as pessoas do futebol nem negar-lhes toda a legitimidade para construírem a sua trajectória profissional como entenderem. De facto, Jorge Jesus pode ganhar 6 milhões ou 6 cêntimos... Tal não tem qualquer peso na solução dos problemas financeiros de muitos cidadãos portugueses. O problema não é esse. O problema é o tratamento do futebol como um espaço religioso, intocável e inimputável — uma espécie de paraíso acima da dimensão humana dos consumidores que, através das suas notícias, são visados.