Manoel de Oliveira (1908 - 2015) |
De que falamos quando falamos de cinema português? E até quando existirá para ainda falarmos dele? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (5 Abril).
A morte é uma perversa conselheira. Por estes dias, para onde quer que nos virássemos, víamos e ouvíamos cidadãos que nunca se empenharam em conhecer um fotograma registado por Manoel de Oliveira, esclarecendo que os filmes do “mestre” nunca tiveram muitos espectadores...
O problema nem estará tanto na atrevida ignorância das generalizações — de facto, Francisca (1981) e, sobretudo, Non ou a Vã Glória de Mandar (1980) foram consistentes fenómenos de bilheteira. Isto para já não falarmos do sucesso de algumas das suas edições em DVD e também do facto de a difusão internacional da maioria dos títulos de Oliveira lhes conferir uma audiência suplementar que convém não ignorar quando se fazem exercícios de “objectividade” numérica.
Acontece que quase todas as personagens que lamentavam o desconhecimento dos filmes de Oliveira, logo a seguir avançavam com delirantes considerações “temáticas”, “estéticas” e “filosóficas” sobre a sua obra, como se, afinal, a comunicação social e a cena política estivesse recheada de especialistas que passaram anos fechados nas caves da Cinemateca, desmontando, plano a plano, as estruturas narrativas e os significados ocultos que ligam Douro, Faina Fluvial (1931) a O Velho do Restelo (2014).
O fenómeno, desgraçadamente, nada nos diz sobre as singularidades de Oliveira ou, em boa verdade, de qualquer criador de qualquer domínio artístico — e por mais que se insista, não há maneira de reduzir essa coisa incómoda que dá pelo nome de cinema (ainda por cima português...) a uma parada de “famosos” a dizer banalidades com ar comprometido e infeliz.
Cristiano Ronaldo |
Sublinhemos, por isso, a estupidez do lugar-comum que faz crer que, agora, passou a ser patriótico canonizar a obra de Oliveira como se ela não fosse, como sempre acontece com os grandes artistas, um labirinto de contrastes, porventura de contradições, impossível de reduzir a qualquer padrão fútil de consagração “nacional”. Aliás, se o projecto é acabar com o cinema português, não tenhamos dúvidas que a sua consumação terá sido favorecida pela grandiosidade inócua de mais um falso luto colectivo.
O que está em jogo é muitíssimo mais fundo e, por certo, pouco gratificante. Não se trata de estarmos todos de acordo sobre a obra de Oliveira, em geral, ou cada um dos seus filmes, em particular. O que está em jogo é da ordem da educação.
Daí a perturbante interrogação: de que falamos quando falamos de educação? Pois bem, de um público que, social e televisivamente, recebe mais estímulos para consumir as rotinas das telenovelas do que para conhecer os filmes de Manoel de Oliveira, Pedro Costa, João Salaviza ou, em boa verdade, qualquer outro autor do cinema português. Desde a escola propriamente dita, até essa grande escola social que é o espaço mediático, o cinema português continua a ser uma entidade secundária e secundarizada. Que um adolescente conheça melhor o mais recente corte de cabelo de Cristiano Ronaldo do que a admirável pluralidade do cinema português, eis a questão.