quarta-feira, abril 01, 2015

No país de Alice Rohrwacher (2/2)

O PAÍS DAS MARAVILHAS
Com O País das Maravilhas, a italiana Alice Rohrwacher ganhou o Grande Prémio de Cannes: para ela, trata-se de construir ficções e filmá-las como se fossem documentários — esta entrevista foi publicada no Diário de Notícias (25 Março), com o título '“Inventámos um mundo e depois fizemos um documentário”'.

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A certa altura, algo muda no filme quando chega uma equipa de televisão para fazer um programa mais ou menos poético sobre aquela região — é um reflexo da própria televisão que existe hoje em Itália?
Não, não é. Aquela televisão aparece antes como produto da imaginação de uma criança, como qualquer coisa de pré-histórico. A televisão que se faz em Itália é horrível, está muito comprometida com a política.

Vimos outros filmes italianos, por exemplo de Nanni Moretti ou Matteo Garrone, que nos levam a pensar que a discussão do cinema, hoje em dia, em Itália, passa necessariamente pela discussão do poder da televisão.
Por um lado, podemos falar de cinema sem falar de televisão. Por outro lado, é um facto que, trabalhando nós sobre o presente, não podemos esquecer que é da televisão que provém a maior influência sobre a consciência política.

Pode dizer-se que, em Itália, como noutros países europeus, há muitos espectadores que abandonaram as salas de cinema e apenas consomem televisão?
É um problema, sem dúvida — tem a ver com a abandono dos rituais colectivos. E escusado será dizer que o cinema, a ideia de sair de casa e participar colectivamente na visão de um filme, é um desses rituais que pode estar a desaparecer. Em todo o caso, creio que algo mudou nos últimos dois ou três anos: há uma disponibilidade maior para ir ver determinados filmes, digamos filmes algo especiais.

E Rossellini, Fellini, Antonioni... existe alguma memória dos grandes clássicos?
Digamos que há uma parte de memória inconsciente, porque esses grandes cineastas mudaram o imaginário colectivo. Ao mesmo tempo, há uma enorme ignorância, já que muito poucos viram os seus filmes. Temos a sorte de, em Itália, existirem entidades como a Cinemateca de Bolonha que têm desenvolvido um trabalho importantíssimo de restauro e apresentação pública de filmes antigos. Em Itália, também existe a televisão de Berlusconi, mas é mais interessante falarmos da Cinemateca de Bolonha...