quinta-feira, março 05, 2015

Novas edições:
Father John Misty

“I Love You, Honeybear”
Sub Pop
4 / 5

Devemos contudo começar pelo nome do protagonista. Chama-se na verdade Joshua Tillman, tem uma obra em disco que remonta ao início do século – começou a fazer canções quando trabalhava numa padaria, aproveitando o que restava das horas escuras (antes de picar o ponto) e editou primeiros discos há uma dúzia de anos. Em finais dos noughties juntou-se aos Fleet Foxes – que tinham já discos editados – com eles tocando como baterista (e ocasionalmente cantando), tendo participado no álbum Helplessness Blues (2011), despedindo-se dos colegas em 2012 para retomar um caminho solitário. Poucos meses depois estreia-se sob o alter ego Father John Misty, editando logo nesse ano Fear Fun, um primeiro álbum repleto de figuras que lembram as mitologias do Laurel Canyon. Agora, e depois de um episódio intermédio quase invisível – a banda sonora (com edição limitada) para uma curta-metragem assinada pela sua mulher – eis que Joshua Tillman encontra o caminho certo para a personagem pela qual continua a vestir as suas canções. I Love You, Honeybear é contudo um disco tão pessoal, que tematicamente ilude as noções de fronteiras entre o alter-ego e a voz criativa que para ele pensa estas canções. Celebração de um casamento, com sinais evidentes de dedicação jurada, mas também ocasionais tiradas de cortante humor, o álbum projeta o tom profundamente confessional das palavras e narrativas num quadro instrumental com gosto pela construção de cenografias, que tanto nos podem levar a inesperados devaneios quase pop (com electrónicas) em True Affection a caminhadas melancólicas de genética americana, onde não falta mesmo uma carga elétrica, de bluesassombrados, nos instantes finais. Com gosto pelo trabalho de orquestração, este é um disco que, apesar da ténue relação que Tillman teve com os Fleet Foxes, resolve o aparente impasse que entre o grupo se parece ter instalado desde a edição do último álbum. E junta Father John Misty a uma galeria de cantautores que, como o algo esquecido Faris Nourallah, cruzam a alma da pradaria com a sensibilidade indie urbana do nosso tempo, criando uma pop folk refletida e de boa arte final.

Este texto foi publicado originalmente na Máquina de Escrever