sábado, março 21, 2015

"House of Cards", política & etc.

Na sua terceira temporada, House of Cards continua a ser um exemplo da mais sofisticada ficção televisiva — este texto foi publicado no Diário de Notícias (20 Março), com o título 'Na intimidade da política'.

Quais são os impulsos temáticos que podem ajudar a explicar certos fenómenos de popularidade? Por certo temas universais como a paixão amorosa ou o medo da morte... Nesse aspecto, de Shakespeare às modernas grelhas televisivas, talvez as coisas não tenham mudado tanto quanto pensamos (ou queremos acreditar).
É evidente que a série House of Cards — cuja terceira temporada arrancou, há poucas semanas, no TV Séries — ilustra de forma exemplar esse poder universal da ficção. Afinal de contas, através das atribulações da personagem de Frank Underwood (Kevin Spacey), agora chegado à condição de Presidente dos EUA, deparamos com as convulsões mais radicais da política, vividas entre a vida e a morte (literalmente, como bem sabem os espectadores fiéis).
Ainda assim, julgo que será importante não cairmos no cinismo corrente, sempre empenhado em empolar as desilusões que muitos protagonistas da cena política vão provocando nos seus eleitores. House of Cards não é, longe disso, uma banal demonização dos políticos (coisa que, infelizmente, parece ser o único plano de trabalho de algumas linguagens que encontramos no domínio jornalístico). Se há tema subjacente à dinâmica da série, particularmente reforçado nesta terceira temporada, dir-se-ia que é o de um trágico intimismo.
Repare-se na transfiguração a que Frank é sujeito, quando compreende que a consolidação do seu poder não é acompanhada pelas figuras do seu círculo interior que, ao terceiro episódio da nova temporada, lhe dão a conhecer a decisão de não o apoiar nas eleições de 2016. E observe-se, sobretudo, a evolução da personagem da mulher do Presidente, Claire Underwood, algo perdida (ou talvez não) na teia de poder que ela própria construiu.
A crescente importância afectiva e simbólica de Claire reforçou o peso subtil da sua intérprete, Robin Wright, inclusive enquanto realizadora — já tinha assinado um episódio na segunda temporada, dirigindo mais dois (9º e 12º) na terceira.