quinta-feira, fevereiro 12, 2015

À espera de Christian Grey (2/2)

AUGUSTE RENOIR
Rapariga Sentada
1883
Como lidar com o marketing agressivo de um filme como As Cinquentas Sombras de Grey? Sobretudo tratando-se de um objecto tão promovido quanto escondido... — este texto integrava um dossier sobre o fenómeno, publicado no Diário de Notícias (9 Fevereiro).

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As expectativas criadas em torno do filme As Cinquenta Sombras de Grey constituem um curioso fenómeno social. E espero que o leitor não leia este desabafo como uma demonização do filme — só posso dizer que ainda não o vi, não li o livro e tenho grande admiração pelo trabalho da realizadora Sam Taylor-Johnson. Também não se trata de uma qualquer forma de indiferença — o simples facto de estar a redigir estas linhas é sintomático da minha curiosidade. Trata-se, isso sim, de transcender a discussão pueril sobre o carácter “explícito” das prometidas cenas sexuais.
Aliás, seria interessante que, numa sociedade democrática e progressista, conseguíssemos consumar essa conquista ética e estética que consiste em compreender que a abordagem da sexualidade não se esgota no problema infantil de sabermos quantos centímetros de pele nua (e de que zona do corpo) são visíveis... Bem sei que esse é o argumento induzido pelo discurso estereotipado das telenovelas. Mas, a não ser que o leitor esteja empenhado em demonstrar que as telenovelas superaram o génio criativo dos nus pintados por Auguste Renoir, das cenas íntimas dos romances de Henry Miller ou dos fantasmas eróticos que pululam nos filmes de David Lynch, creio que é melhor passarmos à frente.
Aquilo a que chamamos “sexo explícito” quase sempre se reduz a um sistema de códigos figurativos que, em boa verdade, com maior ou menor embaraço, é regularmente explorado pela publicidade. Penso mesmo que menorizamos a nossa condição adulta quando aceitamos que a discussão das formas de abordagem do sexo se possa reduzir às convenções dos anúncios de perfumes (alguns belíssimos, não é isso que está em causa). A pergunta poderá ser: como falamos de sexo implícito? E como começar a falar do medo que isso faz?