terça-feira, fevereiro 10, 2015

À espera de Christian Grey (1/2)

Como lidar com o marketing agressivo de um filme como As Cinquentas Sombras de Grey? Sobretudo tratando-se de um objecto tão promovido quanto escondido... — este texto integrava um dossier sobre o fenómeno, publicado no Diário de Notícias (9 Fevereiro).

Ao que parece, as duas mulheres cujas assinaturas se destacam na ficha do filme As Cinquentas Sombras de Grey (estreia quinta-feira) não tiveram uma relação muito pacífica — ou, então, as suas diferenças de perspectiva também fazem parte de um inteligente e omnipresente marketing.
Assim, em declarações ao jornal The Times (5 Fev.), a realizadora Sam Taylor-Johnson reconheceu que “foi difícil”, tendo tido vários vários “confrontos” acalorados com E. L. James, a autora do romance “erótico” que, em cerca de meia centena de traduções, já vendeu mais de 100 milhões de exemplares. Motivo das discussões? As cenas de “sexo explícito”, essas cenas há muito prometidas por uma produção que, sem hesitações, assumiu que o segredo é a alma do negócio, apostando numa elaborada campanha de muitos meses e adiando até ao limite a amostragem do filme à imprensa (em Portugal, por exemplo, a projecção para os jornalistas está agendada para a véspera da estreia).
E. L. James
Vivemos numa conjuntura mediática em que, desde os mais circunspectos órgãos da nobreza jornalística até às mais rotineiras publicações “cor-de-rosa”, os temas sexuais suscitam frequentes manchetes. E é um facto que, em tal conjuntura, E. L. James (nascida em Londres, em 1963) está como peixe na água. Honra lhe seja feita, assume-o com transparente serenidade: por um lado, o seu site está concebido como um hábil instrumento de marketing que ostenta, logo na página de entrada, um esclarecedor subtítulo: “Romance provocante”; por outro lado, com desarmante objectividade, James nunca escondeu que a sua trilogia de livros centrados no riquíssimo Christian Grey (estão previstos mais dois filmes), nasceu da sua própria “crise de meia idade” e explora, sem complexos, todas as respectivas “fantasias”.
Ironicamente, Sam Taylor-Johnson (nascida em Croydon, a sul de Londres, em 1967) parecia ser a mais remota candidata para dirigir um filme baseado no romance de E. L. James. Afinal de contas, estamos a falar de uma mulher que, em reconhecimento do seu “serviço prestado às artes”, foi agraciada como Oficial da Ordem do Império Britânico, em 2011, no âmbito das celebrações do 85º aniversário de Sua Majestade a Rainha Isabel II.
A vida privada de Sam Taylor-Johnson, é bem verdade, já lhe valeu alguns comentários menos simpáticos de alguns sectores da sociedade inglesa. Isto porque celebrou o seu segundo casamento com o actor Aaron Taylor-Johnson, 23 anos mais novo do que ela (nascido em High Wycombe, em 1990): quando se casaram, a 21 de Junho de 2012, ele tinha 22 e ela 45 anos. Ambos mudaram o nome ao celebrarem o seu enlace, conjugando os respectivos apelidos: ele era Aaron Perry Johnson, ela Sam Taylor-Wood.
Sam Taylor-Johnson
Quando se conta esta história conjugal, quase sempre se omite que o encontro de Sam e Aaron se deu graças a um dos mais originais — e também menos conhecidos — títulos que, em anos recentes, saíram da produção cinematográfica ligada ao Channel 4 da televisão inglesa. Assim, foi em 2009 que Sam dirigiu Nowhere Boy, uma emocionada evocação da juventude de John Lennon (pré-Beatles), precisamente com Aaron no papel central. Apesar da sua visibilidade nos BAFTA — com três nomeações, uma para a realizadora na categoria de melhor estreante —, o filme não ganhou qualquer prémio e, comercialmente, falhou por toda a parte (em Portugal surgiu apenas em DVD, com o título Para Lá da Música).
Antes de Nowhere Boy, a trajectória de Sam Taylor-Johnson (então “Wood”) está sobretudo ligada aos domínios da arte experimental, nomeadamente através da utilização de múltiplos ecrãs de vídeo. Surge normalmente integrada no grupo dos jovens artistas britânicos YBA (“Young British Artists”) que se afirmaram a partir de uma célebre exposição, intitulada “Freeze”, organizada em 1988 por Damien Hirst. Um dos seus trabalhos mais conhecidos é um pequeno filme de 2 minutos, produzido por ocasião do Dia Internacional da Mulher, em 2011: o protagonista é Daniel Craig que se apresenta primeiro na sua pose de James Bond, depois vestido de mulher; a voz off, a cargo de Judi Dench, vai-lhe perguntando se, de facto, os ordenados mais baixos das mulheres, as suas condições de acesso ao ensino e os actos de violência sexual a que são sujeitas permitem que se fale de uma verdadeira igualdade entre homens e mulheres.