sexta-feira, janeiro 02, 2015

Reedições:
Jean-Michel Jarre

“Zoolook”
Sony Music
4 / 5

O sucesso por vezes pode ser mais problema que uma ajuda... E tantas vezes a história da música popular nos mostrou já como a subida de alguém a um outro patamar de “fama” funciona para alguns como condição suficiente para desligar o som dos ouvidos e ligar em seu lugar o sinal luminoso do preconceito. Jean-Michel Jarre, que desde sempre dividiu opiniões (o que é sempre bom), ganhou visibilidade entre 1976 e 78 com dois álbuns que, servindo-se de uma lógica de construção diretamente herdada do progressivo, experimentavam novos caminhos (melódicos, narrativos e cenográficos) para as electrónicas num quadro claramente mais próximo da pop que dos berços em que ele mesmo a começara a estudar (nos dias em que foi aluno de Pierre Schaffer). Oxygène (1976) e Equinoxe (1978) juntaram-se a discos pioneiros seus contemporâneos e ajudaram a abrir caminho para a generalização do uso das electrónicas num contexto pop. Quando, em 1981, edita Les Chants Magnétiques (editado fora de França como Magnetic Fields), opta por manter uma estrutura comum no corpo do disco, encaminhando contudo várias das “partes” rumo a modelos pop onde a repetição e simplificação de linhas e estruturas acaba por gerar um álbum sem o fulgor das visões dos antecessores, o impacte da sonoridade num tempo em que a primeira geração pop electrónica somava já êxitos nas tabelas de vendas colocando-o entre a lista de sabores do momento. O tom açucarado de alguns momentos do álbum (que aprofunda algumas sugestões já antes lançadas em Equinoxe) valeu a Jean Michel Jarre o ceticismo de quem nas electrónicas (ou na música em geral) procurava mais as soluções fáceis que esses sabores do momento tantas vezes empregam. E convenhamos que Les Chants Magnetiques está uns furos abaixo do que até então Jarre nos mostrara. A faceta mais popular do músico ganhou entretanto novos focos de visibilidade com o impacte europeu de um álbum (e um documentário televisivo – que na altura foi exibido na RTP) sobre a digressão de Jarre na China e, depois, com o “caso” Music For Supermarkets, um álbum (de 1983) cujos masters foram destruídos após a prensagem de um único vinil, que foi vendido em leilão como se de uma pintura se tratasse. Era de um Jean-Michel Jarre famoso, e sem um disco verdadeiramente estimulante há já seis anos, que se falava quando chegou Zoolook. E, com mais preconceitos ativos que com ouvidos atentos, muitos passaram pelo disco tomando-o como mais um, talvez mesmo dizendo “não presta” sem notar o que ali poderia estar a acontecer. Naturalmente há, como houve e haverá, quem não goste. Mas isso é outra coisa. Aqui não falo de gosto, mas de como tantas vezes não se ouve quando o preconceito está em modo “on” (tanto que George Michael, anos depois, editaria mesmo um álbum a que daria por título Listen Without Prejudice).

Passaram 30 anos e os álbuns de 1976 e 78 de Jean-Michel Jarre conhecem hoje aquele estatuto de maior respeito que (merecidamente) damos a quem desempenhou esforços pioneiros em algo importante. Por muito inconsequente que, de facto, seja a sua discografia posterior a 1980 a verdade é que convém não deixar Zoolook fora da sua lista de grandes discos. Integrado numa campanha de reedições (que chega aos escaparates a partir de segunda-feira), Zoolook, agora devidamente remasterizado, representa um episódio de exploração de potencialidades de novas máquinas (nomeadamente os samplers e um batalhão de novos teclados), ao mesmo tempo que espelha um desejo do músico em encontrar formas de usar a voz e as línguas do mundo (passando, entre outros, por elementos “samplados” em aborígene, afegão, inuit, francês, holandês, alemão, húngaro, indiano, malaio, tibetano ou sueco). Esgotando em Zooloogique (que chegou a ser editado como single) o apelo pop de Magnetic Fields 2, Zoolook é um álbum diferente na estrutura, propondo ao invés de um grande-todo, uma lógica de obra feita de faixas distintas entre si, as ferramentas de trabalho usadas e a presença protagonista das vozes (muitas vezes processadas) assegurando a unidade. O disco, que recupera (com algumas alterações), três fragmentos de Music For Supermarkets, que foi dos primeiros a ser gravado com tecnologia digital e que conta com nomes como os de Laurie Anderson (voz) e Adrian Blew (guitarras) no elenco, é uma pequena pérola esquecida das eltrónicas dos oitentas que agora se recupera, numa versão que retoma o alinhamento original (e não faixas remisturadas como algumas reedições chegaram a usar) de 1984.