sexta-feira, dezembro 05, 2014

Foi assim que David Lynch
viu um concerto dos Duran Duran


A ideia é simples: juntar uma banda (ou um músico) a um realizador e, por uma noite, em direto pela Internet, um concerto (filmado sob um ponto de vista autoral) ganha assim difusão à escala global. Assim aconteceu juntando os Arcade Fire a Terry Gilliam, os Vampire Weekend a Steve Buscemi ou os The Killers a Werner Herzog... Em 2011 um outro par tomou o Mayan Theatre, em Los Angeles, para mais um concerto da série Unstaged. No palco estavam os Duran Duran. Na régie, olhando não apenas para as câmaras mas para muitas imagens extra que antes tinha recolhido, encontrava-se David Lynch. Por uma noite o concerto chegou, como previsto, a todo o mundo. Mas as imagens ficaram registadas, ganharam vida. E transformaram-se num filme que, depois de ter sido estreado entre nós na edição deste ano do LEFFEST, ganha agora vida em sala em sessões hoje e amanhã no Espaço Nimas em Lisboa, estando ainda agendada uma outra sessão no Porto (mas novamente integrada num programa de festival).

Duran Duran Unstaged é assim o filme que nasceu de uma colaboração entre o grupo e David Lynch e que abre a esta série de concertos uma primeira janela para outros ecrãs. Maiores que os dos computadores para os quais habitualmente trabalha. Não é a primeira vez que David Lynch assina a realização de um filme concerto, valendo a pena lembrar aqui o (algo esquecido) Industrial Symphony Nº 1, projeto em que a música de Angelo Badalamenti e o protagonismo vocal de Julee Cruise tinham um papel primordial. Estreado em 1990, este filme-concerto teve edição pouco depois em VHS.

Os Duran Duran, por seu lado, têm também uma relação antiga com o cinema. Pioneiros fulcrais na criação de um novo relacionamento da cultura pop/rock com o teledisco na alvorada dos anos 80, desenvolveram com o realizador Russel Mulcahy o projeto Arena: An Abusrd Notion, filme-concerto de 1984 com imagens associadas ao teledisco de The Wild Boys e a presença no elenco de Milo O’Shea (o ator a quem coube o papel de Dr. Duran, no filme Barbarella, de Roger Vadim). Assinaram depois os temas principais para os filmes 007: A View to a Kill ou O Santo, tendo John Taylor, a solo, criado o tema principal de 9 ½ Weeks. Aqui têm contudo a sua estreia como banda no grande ecrã.

Originalmente apresentado (fora de programa) durante a edição de 2013 do Festival de Cannes e tendo conhecido honras de antestreia – com a presença da banda – no MoMA, o filme Duran Duran Unstaged é uma experiência que justapõe um competentíssimo concerto do grupo veterano com imagens que David Lynch lança sistematicamente sobre a banda. Jogos de sobreposição asseguram assim a coexistência num mesmo ecrã de dois mundos, que afinal assim dialogam, as imagens revelando por um lado características autorais de Lynch (e sentimos aqui claras ligações a olhares que passaram já por filmes como Estrada Perdida, Mulholland Drive ou Inland Empire), ora seguindo pistas lançadas pelas canções, ora propondo “sonhos” (palavra usada pelo próprio realizador) mais abstractos que a música pode eventualmente sugerir.

Um alinhamento que valoriza a presença do (então recente) álbum All You Need Is Now – simplesmente o melhor disco dos Duran Duran desde os dias de Rio – mas que recorda alguns clássicos, junta pérolas dos primeiros tempos e uma versão de A View To A Kill que celebra a memória de John Barry chama a palco convidados como Gerard Way (dos My Chemical Romance), Beth Ditto (Gossip), Kelis e Mark Ronson (o produtor do mais recente álbum do grupo). Em conjunto dão-nos um concerto que reafirma o importante papel do grupo na história da música pop e sublinha, pela visão claramente demarcada de David Lynch, um ponto de vista que faz deste filme-concerto uma experiência única. Não será exagero afirmar que é um dos mais cativantes e diferentes filmes concertos alguma vez realizados. E a David Lynch cabe, aí, grande parte da responsabilidade pelo feito único que aqui se revela. 

Em Lisboa, o vai será exibido no hoje 5, pelas 21.45 (*) e 00.00, e amanhã às 19.40 (*), no Espaço Nimas. No Porto, será apresentado hoje, no Passos Manuel, integrado no festival Porto/Post/Doc. A partir de amanhã estará disponível em DVD. 

(*) Estas duas sessões terão apresentação a cargo de Nuno Galopim