domingo, dezembro 07, 2014

Em conversa: Arto Lindsay ( 2 / 2 )

Foto: LEFFEST
Este ano Arto Lindsay lançou o álbum “Encyclopaedia of Arto”, uma antologia em formato de disco duplo que atravessa várias etapas da sua obra, junta um inédito e gravações ao vivo. O lançamento do disco foi acompanhado por uma digressão, cuja última data teve lugar em Lisboa. Em conversa que fiz para o catálogo do LEFFEST, o músico passa em revista memórias e ensaia algumas reflexões sobre o que pode ser a música do século XXI.

O que é que o Arto, compositor, foi aprendendo com cada músico que foi produzindo?
Fui aprendendo muito. Com o Caetano, por exemplo, foi aprendendo muito. Eu já era muito fã. Eu amava a música dele há muitos anos antes de ter começado a trabalhar com ele. Quando trabalhamos juntos percebi que era um artista especial porque sabe colaborar. É muito aberto... Aprendi de facto muitas coisas. Aprendi como cantar no estúdio, a concentração e também sobre como escutar. O trabalho do produtor e do músico é escutar. Passamos horas ouvindo e discutindo cantores mais diferentes, comentando cantores sempre aprendi muito.

O que há na música do Brasil que explica o facto de haver tantos admiradores e interessados pelo mundo fora no que ali acontece?
A música norte-americana e a música brasileira têm algumas coisas em comum. São músicas miscigenadas e que transformam a tragédia em alegria, de alguma forma. É uma pressão terrível, como aquela que é necessária para formar um diamante. A riqueza destes países foi baseada no trabalho escravo. E na exploração e no genocídio. Então isso é uma coisa trágica. E para arrancar disso uma alegria há essa tal pressão. Uma pressão, uma dificuldade, necessária para a arte. A arte não é uma coisa fácil. Essa é a melhor explicação para o fascínio que essas músicas exercem. E há mais coisas... São países imensos e por serem muito grandes permitiram o movimento de estilos diferentes, que ficam espalhados. Antigamente os estilos dependiam de distâncias geográficas. As pessoas do nordeste tinham uma cultura diferente das pessoas do sul porque não se misturavam muito. Tinham uma história e uma geografia diferente, um clima diferente. Isso gerou muitas diferenças no mundo, até noutros sentidos. 

A música do século XXI pode esbater essas diferenças?
A nova cultura do século XXI não sabemos ainda o que vai ser. Esta discussão sobre a cultura brasileira e a norte americana, isso é século XX. Hoje em dia há um processo instantâneo de troca entre estilos e músicas. Então isso com certeza vai ser um marco da música deste século. E outra coisa é a influência das redes sociais, da internet, na nossa maneira de comunicar. Na música isso está a começar a aparecer. Acho que estamos a sair de um período de misturas muito óbvias, muito claras, como por exemplo música do Camboja com batida ‘disco’ dos anos 70. Estamos a sair dessas misturas identificáveis para entrar numa época de misturas mais subtis. A chave do que vem aí está na maneira das pessoas comunicarem. 

Fechou em Lisboa, com o concerto integrado no LEFFEST, esta sua digressão centrada em ‘Encyclopaedia of Arto’, uma antologia que editou em disco recentemente.
O disco não pensado para ser exactamente uma retrospectiva, mas antes um apanhado. Na verdade foi-me sugerido que seria uma boa maneira de começar de novo porque fiquei um bom tempo sem lançar um disco. E o meu agente de concertos, que também lançou o disco na Itália, o Tito Santini, ele sugeriu que eu fizesse este disco. E foi por isso mesmo. Aí eu sugeri incluir o disco de gravações de solos, só de voz e guitarra, para poder de alguma forma direcionar a conversa. Para que não ficasse só no histórico. 

Quer isso dizer que haverá um novo disco num futuro próximo?
Sim, quero fazer um disco, que quero lançar daqui a um ano. Quero que esteja pronto em Abril ou Maio do ano que vem. Nesta banda que montei somos cinco. Dois eu conheço e toco com eles há muito tempo: o Melvin Gibbs no baixo e o Marivaldo Paim na percussão. O baterista David Fraser Jr e o teclista Paul Wilson são novos. São bem novos também...