terça-feira, dezembro 09, 2014

Casanova 2014 (2/2)

Variações de Casanova, com John Malkovich sob a direcção de Michael Sturminger, leva-nos a evocar uma série de referências mais ou menos distantes, com inevitável destaque para o Casanova (1976), de Federico Fellini, com Donald Sutherland — este texto foi publicado no Diário de Notícias (2 Dezembro), com o título 'A comédia da filosofia'.

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Como muitas personagens que suscitam as emoções pueris das multidões, Giacomo Casanova (1725-1798) foi integrado, quer dizer, diminuído através do poder normalizador do estereótipo. Condenado à imagem do conquistador fútil e mecanizado, dele se foi esquecendo o reverso da gratificação compulsiva. A saber: um oceano de solidão. Não era outro o tema de Fellini no seu admirável Casanova (1976).
A solidão, entenda-se, pode não ser o espelho silencioso do mundo, antes a sua reconversão festiva em palco de todos os artifícios e máscaras. É essa a via escolhida por Michael Sturminger, em Variações de Casanova, filmando o admirável John Malkovich como um ser paradoxal e instável, em que as artes do fingimento se confundem, nem que seja por inusitado pudor, com os enigmas da revelação espiritual.
Convém, por isso, dizer que não se trata de ceder ao novo-riquismo bem pensante que considera sempre que os temas “clássicos” devem ser “modernizados” para acederem às singularidades do nosso tempo — pobre tempo em que se ignora que o classicismo é aquilo que regressa, só pode regressar, igual a si próprio. Estas Variações de Casanova (será preciso insistir, precisamente, no sabor clássico do título?) devolvem-nos, por isso, os prazeres de uma primitiva lógica teatral em que tudo é jogo de ambivalências, numa permanente relação incestuosa entre palco e bastidores.
Na apresentação do seu belíssimo livro Casanova l’Admirable (1998), Philippe Sollers falava da necessidade de devolver o homem à sua verdade, expondo-o como “simples, directo, corajoso, cultivado, sedutor, divertido”. E deixava-nos a definição mais austera: “Um filósofo em acção”. Há uma tristeza visceral inerente a tal acção, o que não impede que Variações de Casanova seja, no fundo, uma genuína e contagiante comédia.