domingo, dezembro 07, 2014

A idade da comunicação 'online'
encenada num palco de ópera


As notícias, que há alguns (largos) anos corriam dando conta de que a ópera era coisa arrumada nas prateleiras da memória, não podiam estar mais erradas. Se nomes como Britten ou Henze a mantiveram de boa saúde quando muitos procuravam mais ideias noutros azimutes, depois dos anos 70 – graças, entre outros feitos, ao impacte de Einstein on The Beach de Philip Glass e do arranque do ciclo Licht de Karlheinz Stockhausen – este foi um universo reativado, cativando o interesse de novos compositores e públicos, chamando a si nomes como os de John Adams, Kaija Saariaho, Thomas Adès, Osvaldo Golijov ou Michael Nyman, merecendo ainda atenção da parte de figuras então já com obra feita como Messiaen ou Andriessen e chegando a seduzir figuras nascidas nos terrenos da música popular como Damon Albarn, a dupla sueca The Knife ou o cantautor canadiano Rufus Wainwright e levando o realizador de cinema John Greyson a criar, em Fig Trees, uma ideia (inédita) de cinema documental na forma de uma ópera. Nico Mulhly que, aos 33, anos tem já obra feita nos domínios da música orquestral, instrumental e vocal, somando ainda um tempo de labor no estúdio de Philip Glass, trabalhos no cinema (entre os quais a música para O Leitor, de Stephan Daldry) e diversas colaborações com músicos nas esferas da pop (além de integrar o coletivo Bedroom Comunity trabalhou já em gravações de Antony & The Johnsons, Björk, The National ou Grizzly Bear) é um nome que, mais dia, menos dia, acabaríamos por ver num palco de ópera.

Estreada pela English National Opera em 2011 e depois apresentada pelo Met em 2013, Two Boys assinala, e da melhor forma, a sua estreia neste patamar. Baseada em ecos de factos reais, Two Boys transportou para o mundo da ópera as formas de comunicação da era da Internet numa narrativa que, com o fulgor de um thriller, acompanhamos ao desenrolar de cada cena fazendo com que, mais que em muitas experiências operáticas, a vontade de conhecer o desfecho da história partilhe o protagonismo com a experiência musical que temos também pela nossa frente.

Pela leitura dos textos críticos feitos por alturas das estreias em Londres e Nova Iorque – e onde, felizmente, se está longe da unanimidade (e quase nunca a grande música foi unânime na hora do nascimento) – é-nos dada conta de uma cenografia que soube explorar a presença em palco dos ecrãs de computador. Mais entranhada ainda no corpo da ópera está a forma como o libreto de Craig Lucas se apropriou de formas de discurso características de chat rooms e trocas de mensagens – afinal o espaço de comunicação virtual, e sob nicknames, que corre na medula da narrativa e que servirá a descodificação do mistério de um incidente (um ataque com uma faca) que uma agente terá de resolver.

Musicalmente Nico Muhly persegue caminhos em sintonia com o que tem vindo a trabalhar na sua música orquestral e vocal, não sendo de todo descabidas algumas referências a figuras tutelares como as de Britten ou Adams que surgiram em algumas opiniões sobre a ópera quando estreou na ENO e no Met.

A edição em disco, pela Nonesuch, toma a produção do Met como palco para este que é o primeiro registo gravado da ópera. Paul Appelby e Alice Coote assinam os papéis principais, com David Robertson a dirigir a orquestra e o coro da Metropolitan Opera.