domingo, novembro 02, 2014

TV: perguntas sem resposta

A chamada de atenção vem dos EUA: os índices de audiências são manipulados de forma a determinarem a actividade televisiva e, por extensão, a sua percepção social — esta crónica de televisão foi publicada na revista "Notícias TV", do Diário de Notícias (24 Outubro).

1. Os índices de audiências nos EUA (os célebres “Nielsen ratings”, desenvolvidos pela Nielsen Company) voltaram a ser objecto de polémica. Jonathan Klein, ex-presidente da CNN, veio mesmo chamar a atenção para o facto de um dos seus princípios — estabelecer o número de pessoas que, em determinado momento, estão sentadas em frente de um televisor — ser profundamente restritivo, ignorando as formas de consumo de televisão que se sobrepõem a actividades caseiras (como, por exemplo, o trabalho na cozinha). Podemos, aliás, acrescentar as possibilidades cada vez mais universais criadas com as novas tecnologias e a prática generalizada de procurar uma emissão nos dias seguintes à sua transmissão. O que nos conduz a uma interrogação muito portuguesa: porque é que, no nosso país, as audiências são tantas vezes tratadas com um processo automático de legitimação social dos programas que apresentam índices mais elevados?

2. Não creio que, entre os militantes das audiências, haja quem defenda a aplicação da mesma lógica a outros fenómenos que se possam descrever também através de números “grandes”. Exemplos? Os índices de consumo de algumas drogas. Ou o volume de participação em comícios políticos de regimes ditatorais. Alguém defende tal consumo ou tais comícios apenas porque a sua quantificação impressiona?

3. Em televisão, a ideologia dominante é determinista. Daí a continuada manipulação dos números das audiências como barreira simbólica que, supostamente, deve interditar qualquer reflexão séria sobre as misérias do populismo audiovisual. Aliás, esse determinismo contamina quase tudo de forma caricatural. Observe-se o futebol. Porque é que um golo sofrido por uma equipa “grande” nos minutos finais de um jogo traduz, quase sempre, um erro que “não se pode cometer em alta competição”? E porque é que esse mesmo golo sofrido nos primeiros segundos de jogo significa que a equipa “entrou mal no jogo”? Porque é que a outra equipa nunca tem direito a entrar bem no jogo?