sábado, novembro 22, 2014

"Hunger Games" ou a ideia de franchise

O novo episódio de Hunger Games (A Revolta - Parte 1) arrasta a pergunta mais fria: que fazer com uma franchise cinematográfica? Ou ainda: como escapar à lógica do marketing mais alheado do gosto do cinema? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (20 Novembro), com o título 'O impasse de uma "franchise"'.

A continuação da saga futurista Hunger Games confirma que o conceito de franchise passou a dominar zonas importantes da produção cinematográfica — e também, logicamente, dos mercados. Na prática, vamos assistindo ao empobrecimento da noção clássica de “série” (ou serial). A “série” apresentava-se organizada a partir de uma linha narrativa consistente, determinante em todos os elementos factuais ou simbólicos. A franchise é, sobretudo, uma ideia de marketing — e convenhamos que os profissionais do marketing nem sempre se têm distinguido por gostos genuinamente cinéfilos (Steven Soderbergh acha mesmo que muitos deles, além de não terem o hábito de ver filmes, não gostam de cinema).
Que aconteceu, então, com Hunger Games? Algo que também já afectou (com resultados calamitosos) Harry Potter ou Twilight: a tentativa de prolongar a duração comercial da saga, dilatando para dois filmes aquilo que, inicialmente, estaria vocacionado para ser apenas um (A Revolta – Parte 2 está agendado para Novembro de 2015).
O resultado faz perder intensidade à premissa fundadora — os jogos entre jovens, encenados como um espectáculo cruel de reality TV —, reduzindo quase tudo a um confronto maniqueísta entre os “rebeldes” e o “Capitólio”. Claro que reencontramos algum excelente trabalho cenográfico, em particular na figuração dos destroços da guerra. No papel de Katniss Everdeen, Jennifer Lawrence volta também a mostrar os seus recursos dramáticos, não faltando alguns notáveis actores em papéis secundários, como Julianne Moore ou Philip Seymour Hoffman (num dos seus derradeiros trabalhos). Ainda assim, permanece uma sensação de impasse num cinema que, no plano artístico, ganharia em ser menos controlado pelos gabinetes dos executivos.