quinta-feira, novembro 27, 2014

As time goes by...


Se bem que muito do discurso que se tem feito (e fará) sobre o novo filme de Richard Linklater vá concentrar atenções no facto de ter sido criado ao longo de uma dúzia de anos, reunindo regularmente o elenco e equipa técnica para criar uma história do tempo que passa, a verdade é que de modo algum Boyhood – que entre nós estreia com o subtítulo Momentos de Uma Vida – se esgota no dispositivo que o serve.

A sensação de passagem do tempo, que a rodagem efetuada ao longo desse período acaba por traduzir com um sentido de realismo que os corpos tão naturalmente espelham não é o objeto, mas o contexto, no qual acompanhamos uma história familiar, no fundo nada mais senão a matéria de que são feitas algumas das mais notáveis ficções na escrita norte-americana (não tem sido essa a essência que tanto valoriza a aclamação dos romances de um Jonathan Franzen?)... E, assim sendo, era uma vez o jovem Mason (brilhantemente interpretado por Ellar Coltrane), a irmã, pais, amigos e mundo à sua volta, desde os dias em que o vão buscar à escola ao momento de chegada à Universidade... 

Como forma de captar relações com o tempo que passa, o filme integra sucessivas referências a grandes fenómenos da cultura popular que, como um calendário, ajudam assim a fixar relações que a história das personagens e o seu espaço desenvolve assim com o contexto maior no qual tudo acontece.

O tempo dá aqui às personagens uma rara hipótese para se definirem, talharem e, como todos nós, se adaptar e mudar.  O arco narrativo serve assim um olhar que não apenas serve o acompanhar do crescimento do protagonista, mas também daqueles que o rodeiam. A candura com que se acompanha o envelhecimento – de todos – contrasta saudavelmente com um tempo de satisfações rápidas e “likes” automáticos. A vida, apesar de tudo, é assim. Acontece a 24 horas por dia, 365 dias por ano (a cada quatro juntando mais um). E, mais que na trilogia “Before” do mesmo Linklater – onde uma noção semelhante de passagem do tempo se projetava em três episódios rodados num arco de 18 anos – aqui experimentamos, numa montagem cronologicamente arrumada, o sabor do tempo de uma forma tranquila, mas sempre irrepetível e sem volta atrás.



PS. Na era do fait divers rápido e fácil, abundam já listas de filmes que, como este, levaram “eternidades” a fazer, não notando essas listas que não se trata aqui de um intervalo de produção, mas sim um tempo de rodagem propositado. O tempo aqui não foi uma dificuldade enfrentada, mas um elemento tomado desde o início como condição necessária para a própria narrativa (e, claro, a produção do filme). Vale por isso a pena lembrar aqui um outro filme que – talvez pela sua dimensão “independente” – esteja a ficar sistematicamente arredado dessas listas. Trata-se de Tarnation, autorretrato de Jonathan Caouette, que junta elementos em Super 8, vídeo, fotografias e registos áudio captados ao longo de 20 anos para contar também uma história de vida. É necessariamente uma ideia muito diferente da que levou Linklater a Boyhood. Porque mais egocentrada, autobiográfica, mais perturbante e pessoal. Mas respira uma relação com o tempo que é igualmente invulgar.