sábado, novembro 01, 2014

António Sérgio: 5 anos depois


Passam hoje cinco anos sobre o dia em que o António Sérgio nos deixou. Amigo, companheiro de trabalho (nos tempos da XFM) e um dos principais responsáveis pela formação musical que definiu os rumos pelos quais fui encontrando o meu caminho, é hoje homenageado com a estreia de Uivo, um documentário de Eduardo Morais e o lançamento de O Uivo da Matilha, um livro com edição limitada que inclui o DVD do filme como “extra”. O filme tem hoje duas sessões no Palácio Foz (Lisboa), às 16.30 e 21.30 (esta segunda já esgotada). Segue-se digressão nacional (ver datas no fim do post).

A assinalar este dia em que a memória do António Sérgio está na agenda das notícias partilho convosco dois textos que em tempos escrevi sobre ele no DN. Um deles logo no dia em que soubemos da sua morte. O outro, uns dois anos depois, colhendo ensinamentos do seu trabalho e, sobretudo, uma maneira livre e aberta de estar na música. Entre os títulos de ambos passam ecos de uma expressão que ele mesmo usava frequentemente no ‘Som da Frente’, quando à rádio, e a todos nós que o ouvíamos, nos dava então o direito à diferença. 


O direito à diferença
Tive a sorte de assistir, ao vivo, e ao lado dele, àquele que certamente terá sido um dos mais marcantes encontros da vida do Sérgio. Foi em 1993. Estávamos em Manchester, em plena convenção In The City, onde se juntavam músicos, editores e divulgadores… Tínhamos partido juntos de Lisboa e levávamos três objectivos na bagagem: comprar discos para a discoteca de uma nova estação de rádio que iniciaria as emissões algumas semanas depois (a XFM), estabelecer contactos com editoras independentes e… desafiar John Peel a fazer um programa para a "xis"…

Ver o encontro entre os dois foi como assistir ao que mais parecia uma reunião de velhos amigos (mas que até aí não se conheciam), rapidamente a conversa saltando da agenda prática do programa (que de facto existiu em exclusivo para a XFM) para discos e trocas de memórias. Chamavam muitas vezes ao Sérgio o John Peel português… Mas ali perderam-se as fronteiras. O Peel português? O Sérgio inglês?... Fiquei calado a assistir… Foi inesquecível.

As minhas memórias do Sérgio recuam contudo mais atrás, a finais de 70 e inícios de 80… Lembro-me da voz, captada em FM, anunciando os discos um a um. Novos discos, sempre desafiantes. E também as referências que completavam esta história sempre em construção… Alguns LPs levavam semanas a chegar a estes lados, e as cassetes com as emissões gravadas da rádio ouviam-se assim vezes sem conta… Até a fita não poder mais… Mal imaginava então que, alguns anos depois aquela seria a mesma voz que me daria, ao vivo, os bons dias de segunda a sexta, sempre com uma pilha de discos na mão, entrando perto das dez da manhã pelo estúdio, tomando o microfone que entretanto eu deixara livre.

Aprendi a ouvir música na rádio. E o Sérgio foi, de todos os que me abriram portas ao som, o mais importante e marcante dos divulgadores. Vincava o direito à diferença. E fez a diferença. Obrigado, Sérgio. (DN, 2 de novembro de 2009)


Ensinar o direito à diferença
Bauhaus. This Mortal Coil. Cocteau Twins. Julian Cope. The Sound. Clan of Xymox. Shriekback. Scritti Politti. Bronski Beat. Love and Rockets. Virginia Astley. Echo & The Bunnymen. Psychedelic Furs. Siouxsie & The Banshees. The Smiths. X-Mal Deutschland. The The. Nick Cave. Einstürzende Neubauten. Violent Femmes. Laurie Anderson... Uns ainda ativos, outros hoje no plano da memória; uns globalmente reconhecidos, outros pequenos fenómenos de culto; uns mais marcantes, outros apenas um episódio fugaz na história da música popular. Mas em todos algo de comum: descobri-os ao ouvir os programas que António Sérgio (nunca o tratei por António, apenas Sérgio) me fazia acompanhar, dia-a-dia, no FM dos oitentas. Não havia Internet e, apesar de alguma informação entre jornais e revistas, ouvir a música nova que fugia ao que a ditadura dos gostos tornava popular não estava, como hoje, à distância de um clic. Ou tínhamos amigos que iam a Londres, ou pedíamos discos em serviços de venda postal... E pouco mais, garantindo-nos os programas do Sérgio a janela que nos mantinha atentos ao que estava a acontecer (e ainda cá não chegava com o ritmo a que hoje as coisas acontecem). Quem ia a Londres emprestava-lhe os discos. Quem os recebia pelo correio também. E o Sérgio tocava-os, a ideia de partilha de informação entre amigos chegando assim entre a rádio e quem a escutava. Não tínhamos um botão para dizer "gosto"... Mas gostávamos. Ouvíamos, gravávamos cassetes, tirávamos os nomes da "lista rebelde", esperávamos depois pelos amigos que iam a Londres ou pelo correio. Com uma voz segura, ensinava-nos o que era o direito à diferença. A criar um gosto. A ser indivíduos. Uma lição pela música. Mas que serve para a vida. (DN, 14 de janeiro de 2011)


E aqui ficam as datas e lugares onde podem ver o filme:

Novembro
Hoje: Palácio da Foz (Lisboa)
Dia 6: Teatro Gil Vicente (Barcelos)
Dia 7: Carpediembar (Santo Tirso)
Dia 8: Salão Brazil (Coimbra)
Dia 10: CAE (Portalegre)
Dia 11: Cine-Teatro Avenida (Castelo Branco)
Dia 12: Teatro Municipal (Guarda)
Dia 13: História e Arte (Bragança)
Dia 15: Venha a Nós a Boa Morte (Viseu)
Dia 19: Há Filmes na Baixa - Passos Manuel (Porto)
Dia 20: Cineclube Aurélio da Paz dos Reis (Braga)
Dia 21: Armazéns Baía do Tejo (Barreiro)
Dia 22: Maiorais (Rio Maior)
Dia 27: Associação Cultural Mercado Negro (Aveiro)
Dia 28: Associação Vale de Pandora (Vale de Cambra)
Dia 29: Centro da Juventude (Caldas da Rainha)

Dezembro:
Dia 6: Casa Da Cultura (Setúbal)
Dia12: Espaço Os Infantes - LdE (Beja)
Dia 13: Bafo de Baco (Loulé)
Dia 20: Sociedade Harmonia Eborense (Évora)