segunda-feira, setembro 08, 2014

Um reencontro com 'West Side Story'


O maestro Michael Tilson Thomas apresenta, com a San Francisco Symphony, a primeira gravação da totalidade da música de ‘West Side Story’ feita num palco fora de uma produção teatral. Tal como o fizera Bernstein por ocasião da sua estreia em 1957, procurou nas vozes de atores cantores parte da alma que faz desta obra um caso ímpar de relacionamento entre várias referências. Este texto é parte de um artigo publicado na edição de 30 de agosto do suplemento Q. do DN.

A 3 de agosto de 1957, Leonard Bernstein (1) escrevia a Felicia, a sua mulher, confirmando que assinara um contrato com a New York Philharmonic (à qual ficaria associado vários anos como maestro e com a qual registaria uma série de gravações marcantes na sua discografia). Ao mesmo tempo dava conta dos avanços nos ensaios de um musical, com o título West Side Story, que estava já em contagem decrescente para a estreia, em Washington DC, algumas semanas depois. Havia ainda problemas a resolver mas o maestro e compositor confessava que estava ali, garantidamente, um espetáculo. E possivelmente um grande espetáculo. Dias depois, numa outra carta, dava a entender que muitos figurões da capital estariam na estreia, entre eles Richard Nixon (que era então vice-presidente). E depois dessa noite tão esperada, que decorreu a 20 de agosto no National Theatre, o Washington Post falou de West Side Story como “um comentário ímpar à vida”, sublinhando que “a violência não tem sentido, mas a música de Leonard Bernstein faz-nos sentir que não a compreendemos”. Já o Daily News referia que a peça abria “um novo espaço nos palcos norte-americanos”... (2) Quando, em setembro, a mesma produção chega à Broadway – ao palco do Winter Garden Theatre –, as críticas, mesmo sem serem unânimes, reconhecem que o trabalho teve grande impacte. Os prémios obtidos no ano seguinte, a edição em disco da banda sonora gravada pelo elenco desta produção original e a adaptação ao cinema em 1961, sob realização de Robert Wise, tornaram uma peça musical, temática e coreograficamente inovadora um fenómeno popular, cativando públicos em vários comprimentos de onda. Mas nem todos com ela tiveram um caso de amor à primeira vista.

Michael Tilson Thomas (3) é filho de um diretor de cena com experiência na Broadway e, depois, trabalho feito em Hollywood. Nos seus dias de infância havia gentes do teatro e do cinema em casa. O cenário parece por isso o ideal para que em West Side Story o homem que hoje dirige a San Francisco Symphony tivesse encontrado um espaço de interesse e familiaridade... Mas a verdade é que o maestro que agora assina uma das mais importantes gravações daquela que muitos tomam como a obra-prima de Leonard Bernstein como compositor na verdade chegou mesmo a trocar uma gravação em disco, com o elenco original do musical que amigos dos seus pais lhe deram quando fez 14 anos. Com o LP na mão voltou à discoteca de bairro onde havia sido comprado e trocou-o por uma gravação de Três Peças para Orquestra de Berg por Hans Rosbaud. Estavam mais em sintonia com o seu gosto de então, confessaria mais tarde.

A sua relação com esta música de Bernstein começaria a mudar alguns anos depois quando, já no segundo ano da faculdade, West Side Story era o LP (de um amigo) que se escutava enquanto ele e outros colegas pintavam o apartamento onde iam viver esse ano. Quando terminaram as paredes, aquela música tinha finalmente entrado na sua vida. Um passo seguinte chegou em Jerusalém, onde um dia viu a adaptação do musical ao cinema numa sessão ao jeito das que fizeram de Rocky Horror Picture Show um caso de culto. Ou seja, com a plateia a cantar e, como ele mesmo recorda numa entrevista que podemos ler no booklet do novo disco, metade dos que ali estavam divididos entre Jets e Sharks, os gangues rivais de que nos fala a peça (e o filme). Algum tempo depois descobriu as Danças Sinfónicas a que Bernstein deu vida própria para lá de West Side Story. E ao dirigi-las (chegaria mesmo a gravá-las com a London Symphony Orchestra) encetou um relacionamento mais profundo com a partitura.

Apesar da extrema popularidade não apenas do filme e dos discos, mas das diversas presenças em palcos de teatro desde 1957 e, claro, a frequente presença das Danças Sinfónicas em programas sinfónicos, até aqui nunca a música de West Side Story havia sido apresentada na íntegra fora de uma produção teatral. “Para tocar a música de West Side Story é preciso seguir diversos protocolos, que determinam várias combinações de números que é preciso fazer, mas nunca uma apresentação completa do espetáculo”, explica o maestro, que defende assim que o que fez desta experiência um caso único foi o facto de ter conseguido obter de todos aqueles que detêm os direitos desta obra a autorização para a tocar na íntegra e, depois, gravar. Tilson Thomas tomou por guia de referência a gravação em estúdio que o próprio Bernstein havia registado em 1984 (4). Adverte que, de um ponto de vista purista, deixou de fora segmentos de trechos repetidos que serviam para mudanças cénicas, mas garante que, aqui, está agora “a totalidade do retrato dramático desta obra”. Relativamente a essa versão de 84, na qual os papéis principais couberam a José Carreras e Kiri Te Kanawa, Tilson Thomas sublinha o facto de Bernstein ter então usado um arranjo mais luxuriante (com a partitura apresentada num novo arranjo, assinado por Johnny Green). Ao passo que, na versão que levou a palco (e agora a disco) com a San Francisco Symphony, retomou a orquestração original da versão que estreou na Broadway em 1957, tendo-lhe dado um pouco mais de “carne”, ou seja, juntou o dobro das cordas.

Michael Tilson Thomas defende que uma obra como West Side Story cabe perfeitamente no repertório de uma orquestra americana. De resto, acredita que qualquer instrumentista de uma orquestra americana deve ter um conhecimento “e gosto” pela música de vários estilos populares norte-americanos, sejam eles o jazz, a Broadway, a folk ou os blues. Relativamente ao canto o maestro recorda que a música de Bernstein não foi necessariamente escrita para vozes vindas da música pop ou do jazz, apesar de muitas já terem interpretado estas canções. “Mas apesar de a partitura fazer exigências operáticas, também não é uma música para cantores de ópera per se”, adverte ainda, regressando à gravação de 1984, com cantores de ópera, para lembrar que, aí, o seu compositor terá procurado registar uma versão definitiva da obra e que o elenco usado teria a ver “com os desejos de Bernstein e talvez a agenda da editora”. Para esta sua nova abordagem Tilson Thomas quis trabalhar com atores que cantassem, procurando assim uma aproximação às raízes naturais – na Broadway – desta música.

(1) Leonard Bernstein (1918-1989) Um dos maiores maestros e compositores norte-americanos e figura marcante no panorama musical global do século XX. A um trabalho na composição juntou importante labor como maestro (o que amplificou substancialmente a sua discografia). Foi um grande comunicador e um dos primeiros a usar a televisão para falar de música clássica. 
(2) in Leonard Bernstein, de Humphrey Burton (Doubleday, 1994), pág. 273. 
(3) Michael Tilson Thomas (n. 1944) Maestro, compositor e pianista norte-americano. É presentemente o diretor musical da San Francisco Symphony e da New World Symphony Orchestra. 
(4) A Deutsche Grammophon editaria esta gravação em 1985.