quinta-feira, setembro 11, 2014

Novas edições:
U2, Songs of Innocence


“Songs of Innocence”
Island
4 / 5

Resolvi dar uns dias às canções de Songs of Innocence antes de escrever mais umas linhas sobre o novo álbum dos U2. Reagi primeiro a quente, alertando o jornal para a notícia e as primeiras palavras que fui escrevendo procuraram sobretudo dar conta do que se passara, ainda de fresco (sem saber ainda, como entretanto foi avançado, que a Apple terá pago uns 100 milhões de dólares pelo disco e que, para breve, este será acompanhado por um segundo álbum, que terá por título Songs of Experience). É sempre bom dar tempo a um disco. E das primeiras (boas) impressões que Songs of Innocence causara ficou a impressão de que poderia “crescer” com novas audições. E assim está a ser revelando, talvez, o melhor disco do grupo desde o já longínquo Zooropa (1993). 

Revigorados (e reinventados) nos anos 90 ao som dos magistrais Achtung Baby (1991) e Zooropa e com prova maior de ousadia no projeto paralelo Passengers que então floresceu por um álbum (em 1995) ao lado de Brian Eno, os U2 aproximaram-se do milénio a dar um passo atrás com o mais convencional All That You Can’t Leave Behind (2000), ensaiando mesmo em How To Dismantle an Atomic Bomb (2004) uma rota de reencontro com memórias da sonoridade dos seus primeiros discos, revelando depois sinais de alguma inquietude face à calmaria criativa entretanto instalada no mais interessante No Line on The Horizon (2009). Agora, cinco anos depois, e com um perfil de primeira linha global mais suportado pela força do palco que pela carga dos últimos discos, surpreenderam meio mundo com um álbum-surpresa. E ainda por cima gratuito (cuidado com as referências a In Rainbows dos Radiohead que não era “gratuito” por definição, já que se deixava a cada um a liberdade de pagar o que entendesse, mesmo que não pagasse nada). Não têm faltado textos a lembrar que Beyoncé também causou surpresa recente. Prefiro lembrar que antes de Beyoncé foi David Bowie quem conseguiu, na idade do Twitter, e após dez anos de silêncio, registar um disco novo sem que ninguém – nem mesmo a editora – o soubesse. 

E há mais em comum entre o álbum dos U2 e o de Bowie que com o de Beyoncé (que, vale a pena dizer, é o seu melhor disco até à data). Mas sem em The Next Day Bowie tomou sobretudo vários destinos passados da sonoridade da sua música como referencias, em Songs of Innocence os U2 procuraram também no passado as memórias, sensações e reflexões que os conduziram a um dos alinhamentos mais pessoais da sua discografia. Sinais do tempo que passa, a carga de histórias, nomes e situações são assim um valor acrescentado de quem, a fazer uma música no presente, reconhece no seu passado uma carteira de valores que não serve apenas para efeitos de nostalgia. Musicalmente Songs of Innocence é o álbum de vistas mais largas que os U2 lançam desde Pop. Do fulgor de raiz punk (mas de formas de produção bem polidas nas guitarras) que apresentam em The Miracle (of Joey Ramone) ao potencial hino de estádio com elaborada textura coral em Volcano, passando pela balada de pulsação electrónica Sleep Like A Baby, a grandiosidade clássica de California (There is No End of Love), a carga algo de Zeppeliniana do riff que define Cedarwood Road, a gastronomia new wave (com deliciosas teclas ao fundo) em This Is Where You Can Reach Me Now, a assinatura evidente da guitarra de The Edge em Song For Someone ou o magnífico dueto que Bono partilha com Lykke Li em The Troubles, fazem deste um disco de muitos caminhos que toma afinal o que foi a pluralidade de rumos que a música já antes experimentou. Ao contrário do que viveram depois de Rattle and Hum – com primeiras pistas ensaiadas na versão de Night and Day apresentada em Red Hot + Blue – desta vez os U2 não procuraram encontrar nova etapa através de um recentrar do foco das atenções nos acontecimentos na linha da frente do presente. É no passado que encontram pistas, sem as fechar contudo num foco específico de sonoridades como o promoveram ao chamar de volta Steve Lillywhite à mesa da produção há dez anos. Com uma carteira vasta de nomes em estúdio – entre eles o velho colaborador Flood (dos dias de Zooropa e Pop) ou Dangermouse – os U2 cantam sobre a sua idade da inocência num disco que junta a candura de quem partilha memórias não zangadas com rotas musicais pelas quais a sua identidade musical (e também o seu mapa de referências) partilhou vários episódios anteriores.