Lorraine Bracco TUDO BONS RAPAZES (1990), de Martin Scorsese |
1. No jogo Everton-Chelsea (Benfica TV), ouço o comentador Jorge Calado especular sobre uma determinada situação, dizendo que um jogador até pode “levar uma porrada”... Como é que chegámos a isto?
2. Importa colocar e recolocar a pergunta: como é que chegámos a esta miséria televisiva?
3. A pergunta, entenda-se, não envolve qualquer desígnio moralista — a filmografia de Martin Scorsese está cheia de filmes com avalanches de coisas verbalmente mil vezes mais violentas e não é por isso que ele deixa de ser um criador genial. Nem se trata, entenda-se também, de exigir a um comentador de futebol que fale como se estivesse a defender uma tese universitária.
4. Trata-se, isso sim, de observar a crescente degradação do falar português, não num filme sobre a mafia, não numa simpática tertúlia na mais simpática das tabernas, mas num contexto em que, supostamente, se está a fazer jornalismo — contexto, eis a questão.
5. E agradeço que não tentem colocar-me na posição de quem está a dar lições seja a quem for. Se há lições de bom português que faça sentido evocar, elas estão, antes do mais, no jornalismo desportivo mais clássico, desde a escrita de Carlos Pinhão, nos tempos heróicos de A Bola, aos comentários de Rui Tovar, na RTP.
6. Já tínhamos dado conta dos que acham que há jogadores que andam “chateados”, isto para não falarmos dos repórteres que julgam que os verbos só se usam no infinito... Chegámos a um ponto em que se fala como se a prática jornalística fosse uma mera colagem de “bocas” mais ou menos rasteiras, para usar e deitar fora.
7. Tudo isto acontece no interior de uma sufocante saturação em que muitos canais concorrem entre si através do futebol, sempre o futebol, apenas o futebol. E também, há que reconhecê-lo, promovendo essa nova religião da felicidade a que dão o nome de gastronomia — talvez o comentador estivesse a referir-se a um ensopado com alho-porro...