segunda-feira, agosto 25, 2014

The Gift em Alcobaça
(20 anos depois...)


Há 20 anos, num sótão não muito longe dali, tomavam primeiras decisões, planeavam a primeira apresentação pública (que teria lugar a 28 de setembro de 1994 no mítico Bar Ben). Duas décadas depois, com um historial discográfico reconhecido e feitos concretos somados em palcos por aí fora, a celebração - vivida na noite de ontem - tinha aquele reconfortante sabor de estar em casa, entre os seus, mas com a consciência de que há muito a sua voz foi bem para lá deste lugar. Sem ainda a marca de uma agenda oficial de comemorações, a atuação dos The Gift no terreiro em frente ao Mosteiro de Alcobaça marcou o início do assinalar dos 20 anos de vida do grupo. Foi uma noite intensa (e naturalmente emotiva), com um alinhamento como nunca antes tinham apresentado, cruzando toda a sua discografia entre o já longínquo Digital Atmosphere com que se estrearam em 1997 e o mais recente Primavera, de 2012.

A primeira canção deu o mote... Five Minutes of Everything. Mas em vez de cinco minutos foi todo um serão de memórias cruzadas com vivências mais recentes, das diferenças e afinidades entre as marcas das sonoridades de cada disco surgindo contudo um corpo sólido que traduz, já sem surpresa, uma noção de obra.

Os anos de rodagem em palco não enganam e os muitos que enchiam à pinha o espaço em frente a palco viram uma banda vocal e instrumentalmente em grande forma e acompanhada por uma equipa técnica igualmente segura, com um trabalho de som irrepreensível, que garantiu assim toda a eficácia do alinhamento de canções que sugeriram o efeito familiar do ‘best of’ (afinal celebram-se 20 anos de carreira).

Sem optar por uma arrumação cronológica, o desfile das canções galgou tempos entre saltos adiante ou para trás, espalhando o novo e o antigo numa sequência que vale a pena repetir. A escolha dos temas mais antigos destacou (e com justiça) o alinhamento do magnífico Film, de 2001, talvez o momento musicalmente mais brilhante da discografia do grupo. Sem o estatuto icónico criado pelo impacte do ineditismo de Vinyl (é importante lembrar que foi o disco que os levou a mais gente e inscreveu uma ética de trabalho diferente e eficaz no panorama pop/rock nacional) nem o fulgor dinâmico do mais recente Explode (um álbum inteligentemente talhado para uma vivência de palco), Film revelou um aperfeiçoar das demandas reveladas no álbum de 98, acentuando diálogos com electrónicas e um labor cénico onde estas partilhavam o protagonismo com as cordas. De resto, e se estamos em tempo de celebrar a obra feita – sendo certo que haverá novos passos (ler discos) mais adiante -, vale a pena pensar que terá de chegar o dia de podermos ver estas canções em palco vestidas pelo corpo de uma orquestra, “desejo” que está latente sobretudo entre os temas de Vinyl e Film.

O episódio mais emotivo da noite ficou por conta de um reencontro em palco com Ricardo Braga, elemento da formação original do grupo (mas que seguira um outro caminho depois de 1998) que regressou a cena para partilhar a já distante Laura (que talvez não se escutasse em palco desde 1997) e recordar OK, Do You Want Something Simple?, a canção que foi cartão de visita para o episódio que os levou mais alto e mais longe. A canção nasceu numa longa noite de trabalho, numa cave também não muito longe dali. Raras vezes as celebrações de memórias comportam esta carga que a geografia dá aos acontecimentos. Pelo que aconteceu ao longo de 20 anos, e pelas muitas relações com o espaço onde na noite de domingo estas canções se escutavam uma vez mais, não podia ter sido mais feliz a abertura da celebração de duas décadas de vida dos The Gift.