quarta-feira, agosto 20, 2014

Stallone já foi outro Stallone

Sylvester Stallone reaparece no terceiro capítulo de Os Mercenários e não será por aqui que o Verão cinematográfico nos trará qualquer surpresa — este texto foi publicado no Diário de Notícias (14 Agosto), com o título 'Os descendentes de Rambo'.

Talvez valha a pena dizer qualquer coisa sobre a percepção social da crítica de cinema. Compreendi à minha custa que há muitas pessoas que, por atitudes que podem ir de uma cândida ingenuidade à mais elaborada má fé, reduzem o crítico a um estereótipo que dispensa até o conhecimento da sua escrita. Exemplo? Não é fácil escrever sobre Sylvester Stallone sem que, através de um automatismo cego, a maior parte dos espectadores deduza (!) que se trata de um nome obrigatoriamente (?) demonizado por qualquer crítico de cinema... Enfim, há coisas mais graves neste mundo. E, sejamos realistas, não fará sentido gastar muito tempo com a avassaladora mediocridade de Os Mercenários 3, filme em que Stallone retoma a personagem de Barney Ross, uma derivação simplista sobre o simplismo em que há muito desembocou a sua série de filmes sobre John Rambo.
Gostaria apenas que isso não escamoteasse a simpatia com que sempre olhei para a fase inicial da carreira de Stallone, a começar por Rocky (1976), de John G. Avildsen, o filme que o revelou como argumentista, actor e também símbolo de uma nova conjuntura para o tratamento da noção de heroísmo em Hollywood. Aliás, pouco depois, estreou-se na realização com Beco do Paraíso (1978), interessante exemplo da vaga revivalista que, na altura, marcava a produção dos grandes estúdios. Isto sem esquecer que o primeiro filme de Rambo, dirigido por Ted Kotcheff, entre nós chamado A Fúria do Herói (1982), constitui uma peça importante na evolução ideológica da abordagem da guerra do Vietname pelo cinema dos EUA. Por tudo isso, é pena que a saga dos Mercenários mais não seja que o sintoma de um “estilo” que, literalmente, passou a celebrar o ruído, dispensando qualquer forma de inteligência.