quarta-feira, agosto 06, 2014

Seis filmes para (re)descobrir
o passado de Jim Jarmusch



Com o título ‘Coleção Jim Jarmusch’ a Alambique acaba de disponibilizar, e numa só caixa, as seis primeiras longas-metragens do realizador norte-americano de quem este ano vimos já Only Lovers Left Alive em sala. A caixa inclui os títulos ‘Sempre em Férias’ (1980), ‘Para Além do Paraíso’ (1984), ‘Vencidos pela Lei’ (1986), ‘O Comboio Mistério’ (1989), ‘Noite na Terra’ (1991) e ‘Homem Morto’ (1996). Este texto surgiu originalmente no DN com o título 'Os seis primeiros capítulos de uma obra independente'.

A história de “nãos” que acabam em arrependimento é extensa... E como exemplo maior podemos dar o “não” dos responsáveis da Decca que recusaram os Beatles em janeiro de 1962... O início da carreira de Jim Jarmusch começou precisamente com um “não”. Em concreto com o chumbar da submissão de um projeto para um filme que corresponderia à sua tese de final de curso da escola de cinema onde então estudava em Nova Iorque. O filme, que acabaria rodado em 16mm e estrearia em 1981 com o título Permanent Vacation (Sempre em Férias), tornar-se-ia afinal a primeira expressão de uma voz criativa que em pouco tempo seria reconhecida como uma das mais marcantes e vivas do panorama do cinema independente norte-americano. O “não” de uns que levou outros a dizer que “sim” encetou um percurso que em pouco tempo demarcaria uma linguagem própria e que, além do cinema, teve em alguns momentos alguma expressão no mundo dos telediscos.

Desperto para o cinema sobretudo graças a uma temporada em Paris em meados dos anos 70 – ele mesmo contou que na Cinemathèque Française descobriu então as obras de japoneses como Ozu, Mizoguchi, Imamura, europeus como Bresson ou Dreyer e até mesmo o norte-americano Samuel Fuller –, Jarmusch cedo encontrou na música um espaço de diálogo que acabaria por definir relações muito particulares com os seus filmes (como se viu no recente Only Lovers Left Alive). Jarmusch era presença habitual no CBGB (no East Village nova-iorquino) onde Patti Smith, os Television, Ramones e alguns mais faziam revolução punk.

Na hora de pensar o seu cinema não só trouxe para as suas histórias uma vivência multicultural da cidade como refletiu desde logo uma vontade em fazer da música uma parcela significativa da criação artística. Ao longo da sua filmografia trabalhou com músicos como o saxofonista John Lurie, Tom Waits ou Neil Young e por várias vezes levou alguns destes colaboradores para a frente da câmara, atribuindo-lhes personagens em algumas das suas narrativas de ficção. A alguns deles retribuiria depois assinando telediscos, como fez com It’s Alright With Me (1990) e I Don’t Wanna Grow Up (1992) de Tom Waits ou Dead Man Theme (1995) de Neil Young. Já com The Lady Don’t Mind, dos Talking Heads (1986), assinou a mais clara contribuição sobre as heranças do movimento que nasceu com o CBGB como polo mais visível.

A caixa de 6 DVD que agora chega ao mercado nacional, e que junta os seus primeiros seis filmes, permite-nos não apenas um reencontro com títulos que definiram os grandes temas e a própria linguagem de Jarmusch como constatar esta presença marcante da música no seu cinema. John Lurie (dos Lounge Lizards) assina a banda sonora dos quatro primeiros (num deles em parceria com Tom Waits) e é ator em Para Além do Paraíso e Vencidos pela Lei. Tom Waits é ator neste último e faz a música de Noite na Terra. Joe Strummer (dos Clash) e Screamin’ Jay Hawkins são atores em O Comboio Mistério. Homem Morto, protagonizado por Johnny Depp, tem música de Neil Young.