segunda-feira, agosto 18, 2014

O Príncipe foi ao futebol

Porventura inspirado pela frase promocional do jogo Monaco-Lorient — "A poesia nem sempre tem necessidade de palavras" — , o Príncipe Alberto reagiu no final com apenas alguns gestos eloquentes. Ou como a "espontaneidade" da televisão está sempre envolvida, nem que seja por indução, com uma determinada visão do mundo — esta crónica foi publicada na revista "Notícias TV", do Diário de Notícias (15 Agosto), com o título 'O príncipe e os pobres'.

A equipa de futebol do Mónaco, treinada por Leonardo Jardim, começou o campeonato francês com uma derrota, em casa, frente à equipa do Lorient (1-2). No final do jogo, durante uns breves segundos, uma câmara mostrou o Príncipe Alberto a abandonar o seu camarote, abrindo os braços e abanando a cabeça, numa atitude que não pôde deixar de ser lida como de enfado e reprovação.


Curiosas imagens, sem dúvida. Podemos encará-las a partir de três vectores. O primeiro decorre do espírito Big Brother que contaminou todos os registos televisivos, incluindo as linguagens informativas. A visão do Príncipe, sob o efeito de uma poderosa teleobjectiva, nasce de uma intrusão visual enraizada num conceito “jornalístico” que ganhou muitos adeptos: ser uma figura pública não decorre tanto do poder que se exerce ou da função que se desempenha, mas da banal possibilidade de entrar numa qualquer galeria de “apanhados”.
Depois, deparamos com uma componente bem conhecida do universo futebolístico e, no limite, do imaginário político-social: independentemente de funções que possam desempenhar em clubes, muitas personalidades da cena política desenham a sua identidade pública a partir dos mais diversos cruzamentos com o futebol. Escusado será dizer que, em si mesmo, o fenómeno não é “positivo” nem “negativo” — apenas reflecte o peso do futebol na configuração mediática dos poderes políticos.
Finalmente, importa sublinhar o mais óbvio: hoje em dia, o tratamento televisivo do futebol tornou-se inseparável de uma perversa figuração universalista. Dito de outro modo: do mais anónimo espectador (vejam-se os planos das bancadas no início ou nos intervalos dos jogos) ao Príncipe Alberto, todos, ricos e pobres, são figurantes potenciais de uma narrativa a que, literalmente, ninguém escapa. Nesta perspectiva, pode dizer-se que a televisão conseguiu uma proeza inquietante: a de promover o futebol à condição de matriz obrigatória de todas as actividades humanas. Por mim, como espectador fascinado pelo futebol, gostaria de saber o que os políticos pensam do assunto.