quarta-feira, agosto 06, 2014

Na solidão de Uri Caine

É o que se chama um álbum gravado num fôlego — ou onze fôlegos, já que é esse o número de faixas de Callithump (*), piano solo de Uri Caine. E é de solidão que se trata, sem dúvida, já que a performance nos transmite essa sensação, a um tempo intimista e distante, de alguém que, perante a exigência serena do teclado, se supera e, de algum modo, supera o próprio instrumento — exemplo: os cerca de seis minutos de The Magic of Her Nearness [apenas som].


Aliás, o sentimento de que há uma urgência, radical mas pudica, em tudo isso parece decorrer das próprias condições em que o álbum foi registado: uma única sessão na Power Station de Nova Iorque, actualmente Avatar Studios, directo ao essencial, sem segundas takes. Típico, sem dúvida, do misto de experimentalismo e classicismo que define Uri Caine — ou, como escreveu Will Layman, "uma gravação típica de Uri Caine é tudo menos típica". Em resumo, e se me é permitida uma pequena simplificação panfletária, este ano não ouvi nada de tão depurado e tão belo como Callithump.
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(*) A palavra callithump tem as suas origens no séc. XVIII, servindo para classificar distúrbios eleitorais; com o passar do tempo, passou a designar uma parada ou um desfile mais ou menos barulhento.