quarta-feira, agosto 13, 2014

Na intimidade da espionagem (3/3)

Philip Seymour Hoffman e Anton Corbijn — rodagem de O Homem Mais Procurado

O derradeiro filme rodado por Philip Seymour Hoffman, O Homem Mais Procurado, dirigido por Anton Corbijn, é uma pequena grande proeza de adaptação de um romance de John le Carré — este texto, intitulado 'Pensar na nossa morte', integrava um dossier publicado no Diário de Notícias (8 Agosto).

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Num belo texto de Belinda Luscombe publicado na revista Time (28 Julho), o realizador Anton Corbijn evoca, emocionado, o seu trabalho com Philip Seymour Hoffman em O Homem Mais Procurado. Não se trata, como é óbvio, nem para ele nem para a jornalista, de “ligar” a rodagem do filme à morte do actor (ocorrida poucos meses depois). Trata-se, isso sim, de sublinhar a visceral singularidade daquele que ficou como um génio da arte de representar.
Diz Corbijn, tentando apreender a enigmática solidão de Hoffman: “É provável que as pessoas incrivelmente dotadas se descubram, de alguma maneira, num lugar mais solitário. E sem que lhes seja possível uma partilha com os outros com a intensidade que desejariam porque, afinal, é algo que está para além da percepção dos outros”.
Ver Hoffman no papel de Günther Bachmann constitui, assim, uma experiência de perturbantes intensidades. E não apenas, entenda-se, porque sabemos que ele morreu. Sobretudo porque ele inscreve na personagem de Bachmann qualquer coisa que, de facto, já está do lado da morte, reactivando a máxima que Jean Cocteau nos ensinou a respeitar: “O cinema filma a morte no trabalho”.
Não admira que o magnífico filme de Corbijn seja um justo prolongamento do imenso desencanto que perpassa na escrita de John le Carré. Retratando os bastidores de um Ocidente que sabe não ter apaziguado os fantasmas do 11 de Setembro, O Homem Mais Procurado é a mais realista das fábulas sobre um medo que se enraíza na estranheza sem nome que o “outro” pode gerar em nós. Sobretudo quando o pensamento da vulnerabilidade desse outro nos devolve a certeza da nossa própria vulnerabilidade. Como se, no silêncio monumental da morte, tudo se equivalesse.