sábado, agosto 02, 2014

Madonna e os símbolos

1. No seu Instagram, Madonna publicou esta imagem em que ela própria surge, em concerto, com dois bailarinos com símbolos que remetem para Israel (Estrela de David) e a Palestina (Crescente do Islão).

2. De acordo com a sua própria legenda, e para além de um apelo ao cessar fogo entre as partes beligerantes, trata-se de enunciar uma mensagem há muito presente no seu discurso artístico: "Sem separações! Todos sangramos da mesma cor!" [No Separation! We all bleed the same color!).

3. Tanto bastou para que na Internet proliferassem muitos discursos de indignação, acusando Madonna dos piores pecados políticos, a começar pelo oportunismo — ela teria "arranjado" maneira de se fotografar com aquelas duas figuras, de modo a sustentar uma intervenção que não poderia ser tomada a sério.

4. Como sempre, este tipo de acusação surge apoiado pela congénita mediocridade do jornalismo tablóide que, além do mais, possui um alcance de memória inferior à rapidez com que consegue acumular cada novo disparate — leia-se, a esse propósito, a notícia de The Daily Mail.

5. Que está em causa? Será preciso repetir que não se espera que Madonna seja uma figura consensual? Longe disso: quem tem acompanhado, como nós, a pluralidade da sua trajectória artística sabe que a sua capacidade de trabalhar sobre as mais diversas simbologias (sexuais, políticas, morais) a torna uma entidade necessariamente discutida e discutível. O certo é que qualquer resistência a esta imagem — quer dizer: à sua energia simbólica — deveria, no mínimo, citar a sua origem. Qual? Os espectáculos da 'Confessions Tour' e, mais precisamente, o concerto de Roma, realizado a 6 de Agosto de 2006. Dito de outro modo: Madonna não "inventou" à pressa uma imagem para marcar presença na abordagem da actual situação das relações entre israelitas e palestinianos — ela relançou uma imagem (com 8 anos!) que, de facto, pertence a um discurso há muito por ela sustentado. Mesmo que possamos defender outras narrativas mediáticas para lidar com tão perturbante conjuntura, isso faz toda a diferença.