domingo, agosto 24, 2014

Lucy, aliás, Scarlett Johansson (1/2)

Luc Besson continua a apostar em concretizar em França um cinema que concorra directamente com as matrizes espectaculares de Hollywood: Lucy, com Scarlett Johansson, é o produto mais recente de tal ambição — este texto foi publicado no Diário de Notícias (20 Agosto), com o título 'Scarlett Johansson à descoberta dos poderes do cérebro humano'.

Scarlett Johansson tem apenas 29 anos (completará 30 no dia 22 de Novembro), mas é um facto que já viveu várias vidas cinematográficas. Descobrimo-la, ainda adolescente, em O Encantador de Cavalos (1998), sob a direcção de Robert Redford; depois, vimo-la como musa do cinema de Woody Allen, em particular no emblemático Match Point (2005); enfim, mais recentemente, desde Os Vingadores (2012), tem integrado o elenco de vários “blockbusters” de Verão, encarnando a personagem da “Viúva Negra”.
No novo filme do francês Luc Besson, Lucy, Johansson assume a personagem de uma jovem americana a viver em Taiwan que, por causa do seu namorado, se vê envolvida com um gang de traficantes: forçada a funcionar como “mula” (transportando um saco de droga no seu abdómen), vai descobrir-se na teia de uma saga violenta, sendo alvo tanto daqueles que querem recuperar o produto como das autoridades policiais...
Nas suas peripécias mais espectaculares, o filme contém todas as componentes de um típico “thriller” de acção, por vezes citando títulos tão diversos como a trilogia Matrix (1999-2003) e as suas manipulações de imagem (não faltam os corpos a vogar no espaço) ou os ambientes exóticos de O Quinto Elemento (que o próprio Besson dirigiu, em 1997, com Bruce Willis no papel central).
Em qualquer caso, o argumento de Lucy (também da autoria de Besson) contém uma derivação insólita e perturbante. Assim, acontece que, devido a uma agressão, o produto (CPH4) que Lucy transporta no corpo se derrama, penetrando no seu sistema de circulação sanguínea. Resultado? Lucy vai adquirindo poderes inusitados, numa verdadeira aventura cerebral em que, desde a manipulação física dos outros até à antecipação do futuro, tudo parece possível.
A aposta do filme consiste em combinar as premissas científicas da sua história — simbolizadas na figura do professor Samuel Norman, interpretado por Morgan Freeman — com situações e ambientes típicos de um “filme de acção” em que se cruzam referências europeias, americanas e asiáticas. O cartaz oficial do filme resume a euforia e a tragédia da experiência de Lucy, enunciando uma sugestiva hipótese: “Uma pessoa comum usa 10% da sua capacidade cerebral. Imaginem o que poderia fazer com 100%.”
Na trajectória de Besson, quer como realizador, quer como produtor, Lucy é um dos projectos mais complexos e ambiciosos. De facto, desde a criação do seu estúdio de produção e distribuição — EuropaCorp, fundado em 1999 —, ele tem procurado gerar filmes que apliquem os recursos tecnológicos europeus, visando sempre o mercado global, como tem acontecido, por exemplo, com a série Transporter/Correio de Risco, protagonizada por Jason Statham. Ao mesmo tempo, Besson tem apoiado produções americanas de características mais autorais, como I Love You Philip Morris, de Glenn Ficarra e John Requa, com Jim Carrey, ou The Homesman, de e com Tommy Lee Jones, que no passado mês de Maio integrou a secção competitiva do Festival de Cannes.
Lucy emerge como o maior investimento de sempre da EuropaCorp, com um orçamento a rondar os 50 milhões de euros (sem considerar os gastos na promoção). Nesta perspectiva, pode dizer-se que, na sua evidente sofisticação tecnológica, o filme serve também de cartão de visita da Cité du Cinema, mega-estúdio de Saint-Denis, nos arredores de Paris. Fundado por Besson em 2012, a Cite du Cinéma está apostada em rivalizar com os maiores complexos de produção da Europa, em particular os de Berlim (Babelsberg) e Londres (Pinewood).