sexta-feira, agosto 01, 2014

Entre a Coreia e... Hollywood

Proliferam as tentativas de cruzamento entre a produção americana e alguns países asiáticos. Agora, é a vez da Coreia do Sul propor uma aventura futurista, muito "à maneira de" Hollywood — estes dois textos sobre o filme Snowpiercer/Expresso do Amanhã foram publicados no Diário de Notícias (29 Julho).

Recentemente, soubemos que o mais recente filme de Tom Cruise, uma aventura futurista chamada No Limite do Amanhã, com realização de Doug Liman, não tendo sido um grande sucesso nas salas dos EUA, conseguiu uma excelente performance na China e na Coreia do Sul. Não é um caso isolado. É mesmo um sintoma de um fenómeno decisivo para os grandes estúdios americanos: os países asiáticos são cada vez mais importantes na contabilidade de Hollywood, de tal modo que passou a ser normal que as receitas no estrangeiro, sobretudo de grandes produções, superem os valores obtidos no mercado interno.
O fenómeno é, de algum modo, reversível. Que é como quem diz: da Ásia vão surgindo produções que, de uma maneira ou de outra, procuram seduzir as plateias americanas (e também europeias). Por exemplo, o filme mais caro que já se fez na China, As Flores da Guerra (2011), integrava uma grande estrela de Hollywood, Christian Bale, intérprete de dois filmes de Batman. Agora, é a Coreia do Sul que aposta na possibilidade de produzir um grande espectáculo muito à maneira de Hollywood: chama-se Expresso do Amanhã e explora as regras das fábulas futuristas mais ou menos apocalípticas.
Curiosamente, o ponto de partida de Expresso do Amanhã (título original: Snowpiercer) é uma novela gráfica francesa, Le Transperceneige, de Jacques Lob e Jean-Marc Rochette. Trata-se de encenar um futuro próximo (2031) em que a Terra foi devastada por uma catástrofe ecológica: a tentativa de contrariar o aquecimento global do planeta gerou uma vaga de frio polar, de tal modo que os únicos sobreviventes vivem num comboio em movimento (“Snowpiercer”), em que uma pequena classe de privilegiados dominado a maioria dos “passageiros”...
Dirigido por Bong Joon-Ho, realizador de um dos maiores sucessos internacionais da produção coreana — o filme de terror The Host – A Criatura (2006) —, Expresso do Amanhã procura garantir o seu apelo ocidental através da integração de vários actores de língua inglesa, incluindo Chris Evans (intérprete dos recentes filmes do “Capitão América”), Jamie Bell, Tilda Swinton e John Hurt. No plano meramente financeiro, os resultados são, para já, pouco significativos: em cinco semanas de exibição, Expresso do Amanhã conseguiu acumular cerca de quatro milhões de dólares nas bilheteiras americanas, valor muito baixo para um título deste género, com custos de produção na ordem dos 40 milhões. Em todo o caso, as receitas internacionais já passaram os 85 milhões.
Ideias e orçamentos

Quem se lembra do “filme-catástrofe”, esse género efémero que agitou os mercados de todo o mundo em meados da década de 70, através de títulos como Terramoto e A Torre do Inferno (ambos de 1974)? Digamos que pouco mais ficou que uma colecção de clichés dramáticos apoiados em efeitos visuais e sonoros mais ou menos inéditos... Pois bem, dir-se-ia que a história se está a repetir com algumas superproduções catastrofistas da nossa actualidade, sendo Snowpiercer/Expresso do Amanhã apenas mais uma variação desse fenómeno, esforçada e ruidosa, pomposa e demonstrativa, numa palavra, inapelavelmente monótona.
Que estejamos perante um objecto proveniente da Coreia do Sul, eis o que, apesar de tudo, merece algum sublinhado. Não porque o realizador Bong Joon-Ho dê mostras de estar empenhado em fazer algo mais do que “fingir” que nos está a vender um filme made in USA. Apenas porque ele é, afinal, o mesmo que assinou um drama como Mother – Uma Força Única, filme ancorado numa visão insólita e perturbante dos mecanismos de inocência e culpa. Ou como os grandes orçamentos não servem para compensar a falta de ideias... Velha lição, na Ásia ou em qualquer outro contexto.