terça-feira, agosto 05, 2014

Em conversa: Gonçalo Tocha (1 / 2)


Uma troca de palavras com o realizador Gonçalo Tocha a propósito do filme A Mãe e o Mar que agora circula entre alguns cineclubes do país. Esta conversa serviu de base a um artigo publicado na edição de 3 de agosto do DN.

Ser uma “encomenda” (um filme para o Estaleiro - uma secção do festival de Curtas de Vila do Conde) o que implica no trabalho de procura de uma ideia para um filme?
As encomendas podem ser perigosas, um logro. Dão-te algumas condições de trabalho mas se não tornares esse convite numa coisa tua, pessoal, fica só isso: uma tarefa. E fazer um filme, da maneira que eu o entendo, é outra coisa: tens de estar pronto a dar tudo o que tens. Até agora nunca tive ideias para filmes, só vontades. Vontade de viver um sitio, conhecer pessoas, fazer coisas que nunca tinha feito antes. Aqui o programa Estaleiro pensou em mim para filmar o lugar da praia de Vila Chã, devido à sua imensa história de pesca artesanal e do acontecimento que ali se deu, único na costa portuguesa, das mulheres pescadeiras. Isso era o isco. E eu mordi o isco, atraído pelo mar de Vila Chã e por esse tesouro por resgatar.

Conhecias a história daquelas mulheres pescadeiras? Ou descobriste-as para fazer o filme?
É uma história que as pessoas da zona conhecem, as pessoas do Curtas falaram-me disso antes de me convidarem. E por isso o festival quis que algo pudesse acontecer em Vila Chã. Agora, quase nada está visível, quase tudo teve de ser resgatado.

Depois de um filme rodado na Ilha do Corvo, o mar volta a estar por perto... É uma coincidência?
É o meu caminho.

Tal como no Corvo tiveste oportunidade de criar uma vivência com as gentes e o lugar antes de filmar?
Sim, vivi durante três temporadas no lugar da praia de Vila Chã, acabei por conhecer toda a gente. Mas no Corvo comecei logo a filmar desde a primeira vez que pisei a ilha. Desta vez visitei Vila Chã algumas vezes antes de começar a filmar, só para perceber se seria possível eu começar um filme. Encontrei a Glória, conheci os velhos pescadores. Depois foi um ano, a ir e vir.

Há no teu cinema uma noção de tempo que começa a ganhar forma. E que respira de forma bem distinta do torpor da televisão e da era da Internet. Estamos a ficar pouco habituados de olhar com tempo para as coisas?
Se calhar falas do tempo de aguentar um plano mais do que 20 segundos. Na televisão decidiram diminuir a percepção das pessoas e achar que todos nós temos medo de ver planos com alguma duração. Quando começas a perceber o que se passa no plano, já to tiraram da frente. Claro que é uma estratégia do vazio, uma forma de ninguém perceber o que se passa. Em todo o caso o cinema também trabalha os planos curtos e cortes rápidos, mas não tens só isso, tens, pelo menos, a duração da sessão.
O lugar do cinema é um lugar particular, mas em vias de extinção, porque está a perder a sua importância social. E somos todos culpados. O caminho da sobrevivência pode ser o nicho, o cinema pessoal, ligado a coisas muito específicas mas já não é de certeza o cinema de elite, ligado às grandes produções.