domingo, agosto 17, 2014

Bacall & Hollywood

Que resta do mundo de Hollywood a que Lauren Bacall pertenceu? Ou ainda: como nos relacionamos com as estrelas? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (14 Agosto), com o título 'Elogio da perfeição'.

Na abertura da autobiografia By Myself (1978), Lauren Bacall recorda emoções dos seus 15 anos. Nessa altura, a sua ideia de perfeição podia resumir-se em dois nomes: Bette Davis e Leslie Howard. Por simples desespero, podemos supor que, hoje em dia, muitos jovens de 15 anos, a viver no meio de filmes de super-heróis mais ou menos ruidosos, nem saberão do que ela está a falar... Ao mesmo tempo, reconhecemos, por certo com alguma ironia, que muito antes de encontrar Humphrey Bogart ela já sabia a que mundo podia pertencer.
14-11-2009
Face ao apagamento social de tantas memórias cinéfilas, a noção de perfeição pode ser mesmo um valor — talvez um ponto de fuga — de que vale a pena não desistir. Não estamos a falar, entenda-se, de “famosos” de copo de whisky na mão a dizer patetices para um jornalismo sem vergonha... Nada disso: Bacall foi uma habitante de uma idealização mitológica em que, muito para além da beleza (não indiferente) ou da pose (obviamente muito trabalhada), as estrelas existiam como emanações vivas de um complexo e sofisticado aparato narrativo, simbólico e espectacular.
Com o passar dos anos, Bacall foi tendo um discurso cada vez mais distanciado, por vezes sarcástico, sobre a idade de ouro de Hollywood (por exemplo, quando esteve entre nós, na edição de 1998 do Festival de Tróia). A actriz tinha consciência do misto de intensidade e irrisão inerente a qualquer mitologia. Foi ela, afinal, que, em 2009, ao receber um Oscar honorário, pegou na estatueta dourada e, com uma gargalhada, proclamou: “Finalmente, um homem!”