domingo, julho 20, 2014

Televisão, passado e futuro

O tempo, esse mistério que a televisão insiste em tratar como coisa transparente... Afinal, que medidas tem o tempo televisivo? — esta crónica foi publicada na revista "Notícias TV", do Diário de Notícias (18 Julho), com o título 'Sem passado nem futuro'.

1. A partir do dia 19 de Julho (até 24 de Agosto), o canal franco-alemão Arte propõe uma programação especial de Verão. Chama-se “Summer of the 90s” (porquê o título inglês?...) e, como a designação sugere, envolve as mais diversas memórias da década de 1990, desde os modelos de espectáculo aos valores e comportamentos. Há, aqui, uma lógica perversa que importa referir e sopesar, para além da questão mais simplista de saber se os programas serão “bons” ou “maus”, mesmo se, por certo, podemos apostar na qualidade e quantidade dos materiais de arquivo do Arte. Precisamente, o que está em causa é a banalização da própria noção de “arquivo”, a ponto de se organizar um enorme painel de memórias sobre eventos protagonizados não por gerações passadas, não ocorridos durante a Revolução Francesa ou nas cavernas da pré-história, mas convocando referências que têm vinte anos (ou menos). A opção diz bem da profunda crise conceptual que afecta o espaço televisivo: por um lado, esse espaço vive assombrado pela fixação pueril nos acontecimentos “em tempo real”, a ponto de quase todas as estéticas de informação divinizarem o “directo” como ridícula instância de comunicação (“temos lá uma câmara e um repórter que vos vai repetir exactamente o mesmo que dissemos aqui no estúdio...”); por outro lado, dir-se-ia que tudo aquilo que aconteceu há mais de um mês pode ser objecto de impulsos arquivistas mais ou menos mecânicos, obrigatoriamente “nostálgicos”. Consequência principal: em televisão, o tempo deixou de ter medida e espessura, não passando de um gadget para fazer dossiers.

2. Explorando o modelo consagrado pela Netflix, a Amazon prepara-se para disponibilizar num mesmo dia (em Setembro, nos EUA) todos os dez episódios da sua produção Transparent (série dirigida por Jill Solloway, com Jeffrey Tambor). O futuro do consumo televisivo parece, assim, cada vez mais dominado pela instantaneidade da Internet, cada vez menos dependente dos rituais clássicos do tempo... televisivo.